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CORRESPONDÊNCIA. 51

29-10-2020 11:00

CARTAS INÉDITAS

DE LUÍS AMARO PARA ANTÓNIO TELMO

[transcrição & comentário de Pedro Martins & A. Cândido Franco]

Luís Amaro em 2007. Foto gentilmente cedida por António José Queirós
 

 

Carta III

 

Massamá, 30 de Outubro 2009.

 

António Telmo, bom amigo:

 

Sim, é o seu velho companheiro de restaurante – primeiro no Ganso, depois no da Rua da Atalaia, de que esqueci o nome – que lhe escreve… Com 86 anos e meio, que posso dizer-lhe de mim senão que sobrevivo? Talvez – não está esclarecido ainda o meu caso – na iminência de pacemaker, mas… sobrevivendo.

E folgo saber que o meu Amigo continua, em Estremoz – “uma das mais lindas terras do Alentejo”, segundo Armindo Rodrigues num livro que prometo enviar-lhe, gralhadíssimo e póstumo –, continua, em Estremoz, vivíssimo e dispensando atenção, quando o encontra, ao António Severino, o excelente moço que há mais de trinta anos conheci na estação do Metro de S. Sebastião que ambos frequentávamos: o Severino leitor insaciável de romances traduzidos mas não só (o que não é vulgar nos funcionários de Seguros, como ele).

Pois hoje, tendo-me o dito Severino telefonado após meses de silêncio, e falado de novo em António Telmo e da sua recordação dum tal L. A. mais ou menos bisonho (e então na década de 40!), apeteceu-me, saudoso de si, escrever-lhe estas linhas apressadas. E enviar-lhe uma singela página de memórias alusiva a David Mourão-Ferreira, que decerto conheceu também. Desculpe a pobreza do escrito, mas já sabe que pilriteiro só pode dar pilritos…

Junto ainda cópia de um recibo que remonta à minha pré-história, quando, em Beja, aos 16 anos (!), correspondente e colaborador dos Brados do Alentejo estremocenses, nem sonhava ainda que, meses volvidos (quantos, já nem sei), transportaria para Estremoz os meus sonhos, a convite do Dr. Marques Crespo… Viria para Lisboa, finalmente, em finais de Agosto de 41. Diga-me, por favor: será vivo ainda o Sr. Acácio José Palmeiro da Costa, da Farmácia Costa e Assunção, no Largo do Gadanha?

O Severino diz-me que sim, mas custa-me a crer. O Sr. Acácio Costa era (é?) uma das melhores pessoas que encontrei na vida – e também o Dr. Crespo! Ah, sim!

Abraço muito afectuoso e grato do seu Luís Amaro, que ainda ontem recebeu notícias de outro amigo comum: o A. Cândido Franco, que profundamente estimo, assim como ao amarantino António José Queiroz – e, claro, ao António Telmo!          

 

 

CORRESPONDÊNCIA. 50

22-10-2020 16:05

CARTAS INÉDITAS

DE LUÍS AMARO PARA ANTÓNIO TELMO

[transcrição & comentário de Pedro Martins & A. Cândido Franco]

 

Luís Amaro em 1970. Foto gentilmente cedida por António José Queirós

 

Carta II 

 

23 de Julho 2006.

 

Meu Caro Filósofo Amigo:

 

Em férias há uma semana, recordo saudosamente os nossos encontros no Ganso, da Rua do Norte, e depois no Atalaia, restaurantes do Bairro Alto… Com o seu irmão Rui e, às vezes, o seu colega Francisco Sotto Mayor. Da minha parte, aparecia o Romeu Correia neo-realista de gema, e no Ganso(?) estacionavam, longe, o Carlos Wallenstein e o poeta Mascarenhas, de Faro e que estudava Letras. Quantos desapareceram já! Somos nós os sobreviventes… Éramos “contemporâneos”, mas só com o meu Amigo, o seu irmão e o Romeu avulso eu convivia, os outros ignoravam-me com desdém (pois não era eu o “alentejano bisonho” de Armindo Rodrigues?). Recordo ainda, mas já perto de mim, o Azinhal Abelho dessa época e até de antes, e seu irmão Orlando, que nunca me molestou…

Ao Wallenstein (“arrebenta pensões”) descobri-lo-ia, é diferente, na Fundação.

Temos dois bons amigos comuns: o António Cândido Franco e o António Severino.

Deseja-lhe todo o bem, com um abraço, o Luís Amaro.

 

CORRESPONDÊNCIA. 49

14-10-2020 11:02

Luís Amaro (a partir de foto de 1950), Luís Manuel Gaspar, tinta-da-china e acrílico sobre papel, 2006 (Colecção Dulce Palma Rosa)  

 

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CARTAS INÉDITAS

DE LUÍS AMARO PARA ANTÓNIO TELMO

[transcrição & comentário de Pedro Martins & A. Cândido Franco]

 

Nado e criado em Aljustrel, no Baixo Alentejo, Luís Amaro [1923-2018] fez a sua formação de autodidacta com o seareiro Deodato Barreto e com escritores ligados ao sindicalismo libertário da primeira República – Manuel Ribeiro, Ferreira de Castro, Julião Quintinha e outros. Estreou-se aos 12 anos com uma crónica no jornal Ala Esquerda, do Centro Democrático de Beja, e com a mesma idade entrava como redactor do jornal Diário do Alentejo, fundado pouco antes em Beja.

Aos 16 anos era redactor do jornal Brados do Alentejo em Estremoz e pouco depois, em 1941, por intermédio de Agostinho da Silva, muito relacionado no meio livreiro, veio para Lisboa como caixeiro da livraria da Editora Portugália, onde depressa ascendeu a revisor linguístico e editor literário.

Conviveu então com muitos dos mais importantes escritores portugueses, vindo ele próprio a publicar nessa época o seu único livro Dádiva (1949) – um volume de poemas que teve depois reedições sucessivas (1975; 2006; 2011) com título refeito, Diário íntimo, e sempre com novos acrescentos. Com jovens poetas da sua idade – António Luís Moita, António Ramos Rosa, José Terra e Raul de Carvalho – fundou a revista Árvore [1951-1953], uma das mais marcantes da poesia portuguesa da segunda metade do séc. XX.

Nas instalações da Portugália Editora, por certo ainda na primeira metade do século, conheceu Orlando Vitorino [1922-2003], já então conviva das tertúlias do grupo da Filosofia Portuguesa. Foi a propósito do falecimento deste pensador, ocorrido a 14 de Dezembro de 2003, que escreveu pela primeira vez – tudo leva a crer que fosse pela primeira vez – ao seu irmão António Telmo, que de resto conhecia quase da mesma época. É documento comovente, fraterno e solidário, que mostra toda a dádiva que existia na alma deste homem generoso e sensível, que punha um gosto raro no convívio com os seus semelhantes.

Mas essa breve missiva dá ainda a ver a agilidade da sua verve epistolar, o seu desembaraço verbal e a sua atmosfera comunicativa, ele que não tinha qualquer formação escolar – possuía como única habilitação académica a instrução primária – e que começou a prover ao seu sustento fora de casa aos 12 anos, verdadeira figura dickensiana a quem roubaram cedo a infância e a inocência.

As duas cartas seguintes, de 2006 e 2009, já não têm por motivo o convívio com Orlando Vitorino mas com o próprio destinatário. Estudante da Faculdade de Letras de Lisboa, que então ficava numa fralda do Bairro Alto, na Rua da Academia das Ciências, Telmo frequentava os pequenos e populares restaurantes do Bairro Alto, onde encontrou e conviveu com Luís Amaro, também ele vizinho ao mesmo bairro, pois a livraria Portugália ficava perto do Chiado, na Rua do Carmo, e as pensões em que residia, ele que não tinha família em Lisboa, na mesma área. Se atendermos à carta de 23-7-2003, em que se diz que os únicos convivas do jovem livreiro eram Romeu Correia, António Telmo e o irmão deste Rui Vitorino, o convívio entre os dois terá sido intenso e afectuoso. Que Telmo guardou boa memória do seu comensal da época, testemunho-o eu, que lho ouvi, por certo em momento que coincidiu com a leitura duma destas cartas – talvez a segunda.

Azinhal Abelho [1911-1979], que Luís Amaro deve ter conhecido no seu período de Estremoz, foi outra das pontes entre ambos, e por certo não a menor, já que Abelho era um dos que sentava nas tertúlias da Filosofia Portuguesa ao mesmo tempo que era autor dum premiado livro que muito deve ter impressionado o Luís Amaro que vinha de Aljustrel, Confissões dum rapaz provinciano (1936). Mais tarde, Estremoz, para onde Telmo se mudou no início da década de 80 e onde Amaro residira e trabalhara no curso de dois longos anos, foi o motivo central da terceira e última missiva que aqui se dá a conhecer e que vale uma página de memórias, escrita depois de quase 70 anos de ausência.

Já no final da década de 60 mudou-se Luís Amaro para os serviços editoriais da Fundação Calouste Gulbenkian, onde secretariou e co-dirigiu até tardia aposentação a revista Colóquio/Letras, que muito deve ao seu saber e ao seu sentido de convívio. Aí voltou a reencontrar Orlando Vitorino, funcionário da mesma Fundação, e com quem se cruzava nas instalações da instituição ou nos restaurantes próximos, entre a Avenida de Berna e a Avenida António Augusto de Aguiar, onde ambos almoçavam, embora em grupos distintos – Luís Amaro com jovens colaboradores da revista Colóquio/Letras e Orlando com os do seu círculo, Francisco Morais Sarmento, José Luís Ferreira e outros.

Já no caso de António Telmo é provável que após o convívio que com ele teve na Lisboa do meado do século XX nunca mais o tenha visto, já que depois da sua vinda para a livraria Portugália, Luís Amaro pouco mais regressou aos lugares do seu Alentejo natal e não frequentou em absoluto Sesimbra, onde Telmo chegou a viver e a trabalhar depois do seu regresso do Brasil em 1968.

Originário duma terra mineira com forte implantação da organização operária, nascido no seio de família muito modesta – o pai era correeiro –, Luís Amaro manifestou desde cedo simpatia pela generosidade dos ideais libertários, de orientação cooperativista, socialista e comunista, embora sem qualquer militância a assinalar. Fez questão de doar depois da morte ao jornal A Batalha, hoje centenário, parte do seu mobiliário pessoal.

 

Carta I

 

Monte Real, 25 Dez. 2003

 

Meu Caro António Telmo:

 

O destino, essa entidade que nenhum sábio pode compreender, faz que seja no dia de Natal que lhe envie o meu comovido abraço pela morte de seu irmão Orlando. Foi para mim de todo inesperada, pois não o sabia doente. E relembro o simpático jovem, pouco mais velho que eu, que num dia longínquo – há mais de meio século! – conheci na Portugália Editora ao serviço de uns senhores alemães que organizavam o Quem é Quem (pelo vernáculo Álvaro Pinto, da Ocidente, sugerido para Quem é Alguém). E desde então, sempre que nos cruzávamos, Orlando Vitorino me distinguia com um sorriso, e nunca, mas nunca, a peculiar ironia que o caracterizava me feriu… – coisa não vulgar nos intelectuais, e tantos foram, que conheci na vida.

Enfim – todos temos um fim, que nos espera! –, venho dar-lhe um sentido abraço e dizer-lhe da minha mágoa, sejam quais foram as diferenças entre nós todos.

 

Aceite V. também a velha estima que lhe dedica, junta com a admiração intelectual dum inculto,

 

o seu amigo Luís Amaro.

 

INÉDITOS. 98

07-10-2020 10:29

O que é a filosofia?*

 

Talvez alguns preferissem falar de “espiritualidade portuguesa”, na condição do adjectivo definir, caracterizar e singularizar uma espiritualidade, a aceitar o termo de “filosofia portuguesa”, que, pelo menos à partida, exclui outras tão significativas manifestações do espírito, como, e em primeiro lugar, a manifestação pela poesia.

Eis porque convirá perguntar, para responder, o que é a filosofia. O adjectivo “portuguesa”, se não significa “em Portugal” obriga-nos a encontrar qualquer coisa de comum – concepção, visão, modo ou estilo de pensar – nos vários filósofos e também nos poetas – e também nos poetas, se atribuirmos à palavra filosofia o seu significado esotérico que recebeu de Pitágoras e desligando-a da acepção vulgar, adoptada no ensino oficial, que na filosofia vê uma certa forma de pôr o pensamento. Se pensadores como, por exemplo, Leonardo Coimbra não são aceites como filósofos porque articulam silogismos de imagens, é caso para perguntar em que espécie ou género de comunicação pelo verbo os situaremos, já que formalmente também não é lícito dizê-los poetas. Para os classificar, são propostas expressões híbridas, de compromisso, como “filosofia poética”, “filosofia literária” ou “filosofia mística”. 

 

António Telmo

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* Nota do editor - O título é da nossa responsabilidade.    

 

VOZ PASSIVA. 115

28-09-2020 12:23

António Telmo e António Quadros ou a sombra que ilumina

(no décimo aniversário da partida do autor de História Secreta de Portugal)(1)

Pedro Martins

 

A costumada indiferença dos areópagos bem-pensantes ignorou a efeméride, assinalada a 21 de Agosto; mas, uma década após a sua partida, António Telmo continua bem presente na memória daqueles espíritos inquietos que ainda procuram o que mais importa. O filósofo da razão poética devolveu o direito de cidade ao pensamento da tradição iniciática no século XX português, reatando uma cadeia que com Fernando Pessoa só aparentemente se perdera. Se o nacionalismo místico que ele proclamava tem sido a fonte inesperada de grandes equívocos ideológicos e religiosos, que aliás persistem em enlear o cerne autêntico da filosofia portuguesa, teremos fatalmente de reconhecer que a ideação operativa do seu cabalismo judeo-cristão estará muito longe de agradar, sequer de poder interessar, a um situacionismo cultural que voga entre a dominância insidiosa e despudorada de um politicamente correcto assistido pelo braço armado escolar, e em vias de se tornar pensamento único, e a vacuidade mediática de um circuito fechado que engendra génios de pechisbeque para a efemeridade voraz do mainstream.

De extrema lucidez, e em avançado curso de publicação na editora Zéfiro, a obra de António Telmo anuncia toda esta desolação para a denunciar, precedendo em algumas décadas um paroxismo que só agora parece insinuar-se. É uma obra patriótica e fecunda, grávida de futuro. Atenta aos símbolos e aos sinais, dialoga como nenhuma outra com os livros apolíneos de António Quadros, seu dilecto amigo e condiscípulo no magistério filosófico de Álvaro Ribeiro e José Marinho. Pessoalmente, se um testemunho me é aqui concedido, tenho sérias dificuldades em pensar a História Secreta de Portugal à margem do Portugal, Razão e Mistério, agora enfim ressurgido na sua plenitude, pela simples razão de terem ambos entrado de rompante numa mesma época decisiva da minha vida. As suas páginas são como as folhas perenes daquelas árvores que envolvem a frescura das fontes. Uma sombra que ilumina.

 

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(1) Nota do editor - Publicado originalmente na Newsletter de Setembro de 2020 da Fundação António Quadros.

VOZ PASSIVA. 114

28-09-2020 11:59

Dez sonetos para o Filósofo da Razão Poética

Risoleta C. Pinto Pedro

 

 

(10) Contos Secretos

 

Dos segredos, não sei que decifrar,

Se o escritor na vida se inspirar.

Entre o trevo e o bilhar, pôs o poeta

Que da pena fez vara de profeta.

 

Dois irmãos juntou: Janus Dioscuros,

E do três fez o dois por alquimia.

Da arte do olhar pura magia

Com que pintou a sua Dama de Ouros.

 

No Hades se encontrou Natanael

Pela Escola de Atenas transportado.

Duvidoso Tomé ficou do outro lado.

 

Encheu páginas de ficção fiel

Ao real por ele imaginado.

História Sonhada, o seu pensar lavrado.

 

8 de Julho de 2020

 

UNIVERSO TÉLMICO. 71

28-09-2020 11:43

Homenagem ao professor José Santiago Naud, um dos fundadores da UnB[1]

Rozana Naves e Henryk Siewierski

 

Na última segunda-feira, dia 20 de julho de 2020, faleceu o professor José Santiago Naud, poucos dias antes do seu 90º aniversário. Nascido em 24 de julho de 1930, na cidade de Santiago (RS), e licenciado em Letras Clássicas pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o Professor Santiago Naud foi pioneiro de Brasília, para onde se transferiu após ser selecionado em concurso nacional para inaugurar o ensino de nível médio na nova capital. Convidado, em março de 1962, por Cyro dos Anjos, diretor do então Instituto Central de Letras da Universidade de Brasília (ICL/UnB), passou a integrar o corpo docente da UnB, tornando-se um dos seus fundadores.

Na UnB, esteve ligado ao Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, dirigido pelo professor Agostinho da Silva, com quem compartilhava inovadoras ideias educacionais, contribuindo para a sua concretização na prática universitária. Participou, ainda, da criação da Federação Espírita do Distrito Federal, da Associação Nacional de Escritores e do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal. 

Lecionou literatura portuguesa e brasileira em várias universidades estrangeiras, entre as quais a Universidade de Yale e a de Los Angeles. Entre 1973 e 1985, dirigiu, como representante do Ministério das Relações Exteriores, centros de estudos e de cultura brasileiros em La Paz (Bolívia), Rosário (Argentina), Panamá e México.

É autor de uma extensa e original obra poética e de vários ensaios críticos, como Hinos Cotidianos (1960), A Geometria das Águas (1963), Ofício Humano (1966), Verbo Intranquilo (1967), Pedra Azteca (1985), Vez de Eros (1987), Memórias de Signos (1993) e Antologia Pessoal (2001), entre outros. Os seus livros de poemas foram publicados na Argentina, no Panamá, no México e em Portugal.


Reintegrado à UnB em 1990, atuou como professor no Departamento de Teoria Literária e Literaturas (TEL) e no Núcleo de Estudos Portugueses do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam), tendo participado de vários projetos de estudos literários e de tradução. Com o seu profundo conhecimento da herança poética e filosófica universal, e de língua portuguesa em particular, compartilhado generosamente com os estudantes e colegas, enriqueceu substancialmente os programas dos cursos do Instituto de Letras. Aposentado, continuava em contato e colaboração com a UnB, principalmente no âmbito da Cátedra Agostinho da Silva do Instituto de Letras.

Sempre atencioso e aberto ao diálogo, sabia valorizar e incentivar trabalhos dos colegas. O lado espiritual do seu pensamento se associava a uma prática da vida solidária e a uma busca insaciável do conhecimento, verdades da ciência e da fé, tornando a convivência com ele um dom singular.

Seu afeto e consideração para com o Instituto de Letras da Universidade de Brasília se expressaram fortemente no evento de comemoração dos 50 anos deste Instituto, realizado em 2012, em que nos honrou com a sua presença vibrante e entusiasmada. Gostaríamos de homenageá-lo a partir de um de seus poemas, que tem como temática a morte. Sem dúvida, ao Professor José Santiago Naud caberá a glória do legado que deixa ao Instituto de Letras, à UnB e ao país, razão pela qual seguirá vivo na memória afetiva dos que o conheceram e com ele conviveram e na nossa memória institucional.

 

DA MORTE

 

A morte joga no descampado

o seu jogo de dados

mas é no íntimo de nós

no âmago

que os pontos contam.

Ela funda

                 no fundo de nós

sua raiz fecunda –

no ventre

como bicho faminto

no coração

como casa sem gente

na mente

como causa de causas sem motivo.

É a nossa companheira

                                       longinquamente

desde o berço

e muito antes ainda

pois quando nos embalava

ao doce enlevo da mãe

já modulava o canto

                                 antiquíssimo

marcando o mais certo encontro conosco

para a miséria

ou para a glória.



[1] Nota do Editor - Texto originalmente publicado, em 1 de Agosto de 2020, na página oficial na Internet da Universidade de Brasília, de que os autores são professores. Henryk Siwierski é também membro do Projecto António Telmo. Vida e Obra.  

 

 

VOZ PASSIVA. 113

22-09-2020 12:29

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

Dez sonetos para o Filósofo da Razão Poética

Risoleta C. Pinto Pedro


 

(9) O Horóscopo de Portugal

 

O homem pensa e não conhece,

Interdito lhe é o bom pensar.

Pensa que pensa, e não como parece,

Por arrogante das estrelas se apartar.

 

Tal não é o filósofo do infinito

Que vê Portugal um só de três.

Um quarto ascenderá com nosso grito

Quando a alma colectiva sair desta mudez.

 

Após leitura atenta e demorada

Dos sinais astrais espalhados pelos céus,

Mesmo não sendo a incógnita afastada,

 

A anos-luz está dos selectos europeus:

Sabe o Sol e Portugal, os dois sinónimos

De um mistério escondido nos Jerónimos.

 

VOZ PASSIVA. 112

07-09-2020 09:49

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

Dez sonetos para o Filósofo da Razão Poética

Risoleta C. Pinto Pedro

 


 

(8) Capelas Imperfeitas

 

Imperfeitas as capelas exemplares

Onde afrescos despertam dialogais

E Narciso persiste com seus pares

Ensinando agudo olhar além taipais.

 

É com lupa bondosa e implacável

Que medíocre cegueira mostra ao mundo,

Como escola informal em tom notável,

Buscando o Génio com rigor fecundo.

 

Propondo-se escrever em branco incêndio

A vivência interior de seus iguais

É com Régio, esse converso arrais

 

Que Ribeiro salva de torpe vilipêndio

e cruza memórias, ao olhar banais,

com teoremas pintados em murais.

 

VOZ PASSIVA. 111

31-08-2020 21:10

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

António Telmo, um homem singular

(Testemunho em verso ao jeito popular)

Maria Antónia Braia Vitorino

De caminhar

Calmo e lento,

Desatento

Ao cumprimento

Não ouvido,

Distraído

A olhar a beleza

Da árvore, da flor:

A Natureza!

Sem ambição

Do que é vão

Amava a Filosofia

Que fez dele escritor.

Simples, sem vaidade,

Gostava desta cidade

Onde foi professor.

Convivente,

Apreciava a companhia

P’ra conversar com humor.

Seus hobbies: caçar e bilhar.

Era alguém diferente

Do habitual.

Espírito livre, aberto,

Discreto mas “inquieto”

A dialogar

C’o pensamento.

Um ser ILUMINADO

Que olhava Além

Um mundo IMAGINAL

Pr’alcançar o ESSENCIAL.

Inteligência invulgar

De um saber vasto e pensado.

Uma eloquência

Excepcional!!

De suprema intuição,

Num ápice, a solução!

Sem pedir, nem procurar,

Convidado p’ra professor

Dentro e fora do país

A fundar uma Escola

Que dirigiu como quis.

Granjeou uma reputação

Que o levou a inspector

Da Educação

Durante a Revolução.

Uma Escola simpática

E a mais democrática

Que Agostinho encontrou

Dentre as que visitou.

Em merecimento

Sesimbra seu nome deu

A uma rua.

Também Estremoz

Onde viveu e morreu

Numa rua sua

Seu nome pôs.

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