DOCUMENTA. 01

05-02-2014 12:25

Quando chega a Brasília em Fevereiro de 1966, para leccionar Cultura Latina e Cultura Portuguesa na Universidade da novel capital brasileira, António Telmo vai ali reencontrar Eudoro de Sousa, de quem havia partido o convite para a travessia do Atlântico. Já se conheciam, bem entendido. Desde o início dos anos 50, Telmo privara com Eudoro nas tertúlias lisboetas onde também Álvaro Ribeiro e José Marinho pontificavam magistralmente. Álvaro irá, de alguma forma, recomendar ao insigne helenista o jovem estudante de Filologia Clássica. O convívio entre ambos intensifica-se e Eudoro convida o discípulo contertúlio a auxiliá-lo na organização da sua biblioteca pessoal – longe de saber que, década e meia depois, sob a sua superintendência, Telmo viria a colaborar na organização da maior biblioteca de Estudos Clássicos da América do Sul. Contrariamente ao que sucede com os seus outros mestres – Álvaro, Marinho e Agostinho –, são escassas as referências escritas de António Telmo a Eudoro de Sousa, que praticamente se resumem ao magnífico escrito prefacial de introdução a Dioniso em Creta e outros ensaios, volume editado em 2004 pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, que será aqui em breve publicado na rubrica "Os meus prefácios". Também a influência da obra e do pensamento de Eudoro em António Telmo está ainda, decerto, por averiguar. Da alta consideração (como expressão de amizade e admiração) que o primeiro tinha pelo segundo nos dá agora conta a carta que aquele dirige ao Reitor da Universidade de Brasília, como peça valiosíssima desencantada no processo burocrático tendente à contratação do docente António Telmo, e que constitui mesmo um documento imprescindível para a história da filosofia portuguesa. Não por acaso, integrou a exposição De Sesimbra à História Secreta: António Telmo e as Margens da Aventura, comissariada, no ano transacto, por Pedro Martins.  

 

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                            Brasília, 14 de Fevereiro de 1966

 

 

Magnífico Reitor

 

 

O Prof. Antônio Telmo Carvalho Vitorino foi meu aluno entre 1950 e 1953, ano em que vim para o Brasil. Já, então, dava provas de excepcional aptidão para a hermenêutica superior dos textos clássicos, isto é, para aquela parte da crítica textual que, por efeito da conhecida “lei” das oscilações, não atraindo o filólogo hodierno com a intensidade com que atraía os grandes mestres da segunda metade do século XIX, morosamente vai reconquistando o alto posto que merece. Aliás, foram as tendências filosóficas que caracterizam os filólogos de escol – precisamente as que mais transparecem no curriculum do prof. Antônio Telmo – junto com outros motivos que, decerto, não honram a maior parte do corpo dos universitários portugueses, que lhe vedaram o acesso à carreira do magistério superior, relegando-o para tarefas oficiais menos dignas da grande competência e real capacidade que tive ocasião de verificar, não só pessoalmente, durante três anos de estreito convívio, como também pela leitura das suas publicações.

 

Para as personalidades intelectuais da classe do Prof. Antônio Telmo, cujo título de não menor valia é o de terem sido co-fundadores do movimento cultural que tão brilhantemente se manifesta nas páginas das revistas “57” e “Espiral”, só se abrem dois caminhos: a expatriação e a alienação. “Alienação” é o caso dos verdadeiros mestres do Prof. Antônio Telmo, como Álvaro Ribeiro e José Marinho, e dos seus melhores condiscípulos, como Antônio Quadros e Francisco Sottomayor, uns e outros, hoje, obrigados a servir, como funcionários burocráticos, em empresas particulares, como a Fundação Gulbenkian, ou repartições públicas, como Casas do Povo e Institutos de Previdência. “Expatriação” é o caso dos mais jovens e dos mais corajosos, daqueles que acham, como António Telmo, que ainda vão a tempo e ainda têm forças para servir os reais interesses de uma Nação disposta a educar seus filhos na autêntica liberdade, que é o único meio, ou a única mediação, da verdade científica.

 

Parece-me, por conseguinte, que, ouvidos os meus dois meritíssimos colegas, membros da mesma comissão, poderá Vossa Magnificência contratar o Prof. Antônio Telmo Carvalho Vitorino, como Professor Associado, e designá-lo para o Centro de Estudos Clássicos.

 

Eudoro de Sousa, Prof. Titular