DOS LIVROS. 32

25-01-2015 17:51

O pêndulo

 

Houve uma época, não há muitos anos, em que frequentei, com alguma assiduidade e algum interesse, uma associação de neopitagóricos e foi aí que conheci, felizmente por um só dia, um desses curandeiros ocultistas com consultório a imitar os da medicina oficial. Digo felizmente por um só dia pois bastou uma breve conversa com ele para que me lançasse num abismo de preocupações. Foi o caso que logo descobriu no lóbulo da minha orelha um risco que lhe dizia, sem qualquer dúvida, que eu estava a ser minado por uma angina de peito e que devia tomar consciência disso e ver o que se podia ainda fazer.

Por uma daquelas coincidências tão frequentes que já ninguém se espanta com elas, o meu médico de família, achando-me uma tensão arterial demasiado elevada, levara-me a consultar um cardiologista e a obter o inevitável electrocardiograma, coisa que se realizaria três dias depois da conversa com o neopitagórico. As duas coisas juntas puseram-me a alma em pânico. Regressei de Lisboa a Estremoz tão preocupado com a ameaça da angina pectoris que não disse palavra durante toda a viagem e nem sequer ouvi o que diziam os meus dois companheiros.

No dia seguinte, dirigia-me eu, como de costume, logo pela manhã para o Café onde tenho escrito todos os meus livros, quando aconteceu o inexplicável.

Num dos bancos do jardim que por ali há no Rossio, na grande praça de Estremoz, estava sentado um desses alentejanos como se vêem tantos, com o seu típico boné.

– Chegue aqui, senhor professor.

O homem conhecia-me. Tinha um rosto simpático. Aproximei-me.

– Sabe o que é isto?

– Sei. É um pêndulo.

– Sabe para que serve?

– Diga-me o senhor.

– Para ver se uma pessoa está doente ou goza de saúde.

– E como se vê?

– Se o pêndulo se deslocar a direito (fez o gesto com a mão) é porque a pessoa está mal. Se começar a girar em círculos é sinal que a pessoa está bem. Quer saber o que se passa consigo?

– Então não hei-de querer?

Eu estava espantado. Tudo aquilo vinha de encontro à terrível preocupação que me criara o neopitagórico.

O pêndulo, suspenso de um fio entre o indicador e o polegar, começou a mover-se em círculos harmoniosos. O rosto do homem iluminou-se:

– Oh! Como tem saúde!

Balbuciei, como que atordoado, algumas palavras de agradecimento e fiz o gesto de prosseguir o meu caminho.

– Olhe! Disse-me ele, não sou eu que movo o pêndulo. São os anjos.    

O cardiologista, que consultei dois dias depois, nada encontrou de inquietante. Eu contei-lhe da angina pectoris. Com minha surpresa, não negou que houvesse a tal relação com o risco na orelha, mas explicou que isso nem sempre batia certo.

 

António Telmo

 

(publicado em Congeminações de um Neopitagórico, 2006-2009)