DOS LIVROS. 57

09-04-2017 12:35

Da Introdução a Autobiografia e Sobrenatural em Luís de Camões

 

«Os Portugueses somos do Ocidente.

Imos buscando as terras do Oriente.»

Luís de Camões, Os Lusíadas, I, 50, 7-8

 


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Já o disse uma vez e volto a dizê-lo para que eu próprio me ouça e não me deixe estar adormecido: se desaparecesse a Lua do Céu e o mundo continuasse a correr pelo mês adiante, muito poucos dariam por isso, sobretudo entre os habitantes das cidades. Por igual razão, (que o leitor não necessita, espero-o, que lhe digam qual) o Oriente e o Ocidente, o Norte e o Sul, enquanto pontos cardeais, são apenas meros pontos de referência quando se vai por exemplo de viagem até ao Porto, não ao Porto Oculto de Sampaio Bruno; deixaram de ser sentidos como forças viventes ou como grandes significados, coisa que a língua não esquece ao conotar direcção e sentido, sentido e significação. Mas esquecemo-nos nós, apesar de sabermos como os selvagens e por instinto qual é a nossa mão esquerda e qual é a nossa mão direita. Dizer que o mundo, com sua terra, seu céu e suas estrelas e no meio sua atmosfera, pode obedecer a uma ideia que seja como aquele instinto, tendo de si uma percepção análoga à que temos do nosso próprio corpo com esquerda e direita, costas e rosto, significará mais do que uma simples metáfora poética. O citadino ignorante de que há uma lua no céu, com que a natureza julgou talvez poder dispensar a electricidade, verá nessa metáfora um falso raciocínio próprio da fase mitológica da humanidade, pois para ele, na verdade, as direcções do espaço são apenas o resultado de uma construção mental imaginária, cómoda para o indivíduo, que, onde quer que se encontre, ocupa idealmente o centro do Universo. Por isso mesmo, podemos prescindir desses pontos de referência, se os substituirmos por outros ou por nenhuns no grande mar tumultuoso das cidades. 

 

António Telmo

 

(Publicado em A Aventura Maçónica - Viagens à Volta de um Tapete, 2011)