INÉDITOS. 73

07-04-2018 17:31

Igreja Matriz de Arruda dos Vinhos

 

O Sagrado na Arquitectura[1]

 

Dado que o tema que me coube é O Sagrado na Arquitectura, parece-me um bom começo ver do que vou falar, perguntando à palavra sagrado e à palavra arquitectura o que é que significam.

Vejamos, pois, o que nos diz a primeira delas. Sagrado provém de uma raiz antiquíssima, a raiz sec, que, pelas duas consoantes que a constituem, combina em si a ideia de separação e a ideia de ocultação. A ideia de separação está bem clara em secção e sectário. O génio fonético que formou a língua portuguesa, o génio do povo a que pertencemos, transmutou o som c em som g para criar outra palavra que é como que a sua irmã gémea. Falo da palavra segredo. Entre sagrado e segredo há só a diferença das vogais. Mais erudito, porque mais fiel ao formalismo do étimo, é o adjectivo secreto. Dizer o sagrado na arquitectura é quase o mesmo que dizer o secreto na arquitectura.  A diferença de vogais. É como se estivessem referidas uma ao exotérico, a outra ao esotérico, neste caso da arquitectura.

O que é que nos diz a segunda palavra significativa do meu tema? Diz-nos, desde logo, que é formada de duas: arquê e tectura. Ali, interrogando a palavra sagrado tivemos de saber algum latim, tivemos de relacionar, através do português, sacratum e secretum. Aqui, agora, temos de saber algum grego. Como as duas línguas são de origem indo-europeia, entendem-se bem uma com a outra e a nossa com elas, que de ambas deriva.

A primeira parte da palavra é o substantivo arquê, o primeiro a aparecer no Evangelho de São João, que, como sabeis ou não sabeis, começa assim: En arquê sên Lógos, in Principio erat Verbum, no Princípio era o Verbo ou o Lógos. Arquê significa, pois, Princípio, mas, notemo-lo bem, não no sentido de começo, porque a história só aparece ontologicamente depois. É como se lêssemos: no secreto do secreto se originou o Verbo, porque arquê, muito longe de significar começo, é propriamente o arcano dos arcanos, a arca que encerra todas as possibilidades que, postas em acto, formam ininterruptamente o Universo, o arco que lança a flecha de luz.

Só nos falta ver o que é “tectura”. Não existe como vocábulo independente em português, mas vê-se logo a sua afinidade com outras que têm essa existência como textura e tessitura. Deriva do verbo tectainô cujo sentido é este: a arte de construir em madeira.

Assim, a arquitectura, pensando a palavra como um todo, será a arte de construir em madeira segundo o Princípio.

 

António Telmo    



[1] Nota do Editor – Esse texto, que se encontra inédito no espólio de António Telmo, consta de uma folha A4 por si dactilografada e corresponde, seguramente, ao início da comunicação que, sob o mesmo título, o filósofo apresentou à VII Semana de Estudos das Religiões, realizado em 12, 13 e 14 de Novembro de 1997 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. A organização do evento foi do Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões daquela Universidade. Na edição do Diário de Notícias de 15 de Novembro daquele ano, a jornalista Antónia de Sousa, também ela oradora naquele encontro com uma comunicação sobre “A Iniciação feminina”, publicou uma reportagem sobre o mesmo, referindo-se à comunicação de Telmo numa caixa, cujo texto transcrevemos:

 

«O manuelino é uma arquitectura feminina

As igrejas portuguesas foram sempre orientadas de nascente para oriente [sic]. “Na arquitectura manuelina dá-se um acontecimento espantoso! Há uma orientação para sul. Verifica-se isso na Torre de Belém, na porta sul da Igreja dos Jerónimos e no Convento de Cristo em Tomar”, afirmou António Telmo, ligando a arquitectura sagrada portuguesa à iniciação feminina.

“Há três imagens femininas de Nossa Senhora, nesses três locais, que estão a olhar para o sul. O sul é a orientação esotérica que permitiu os Descobrimentos. Camões situa a ilha dos Amores no Sul. O manuelino é a arquitectura feminina por natureza”, disse.»