INÉDITOS. 93

29-05-2020 17:40

Na Grécia, como em Portugal, havia cigarras [1]

 

Basta a existência da palavra “Tio” na língua portuguesa para se ter por evidente a formação grega do nosso povo. “Tio” provém de “Theios” – o elemento divino da família. Não é uma palavra erudita; exprime uma relação popular de parentesco. Há quem, com certa probabilidade, defenda a origem grega da língua portuguesa.

Quando lemos as peças de Aristófanes, as revistas do Parque Mayer da Antiguidade Clássica, a “Apologia de Sócrates” onde é manifesta a “inveja” como a virtude nacional dos gregos, ou então o episódio de Xantipa, furiosa com as conversas filosóficas do marido, não podemos deixar de ficar estupefactos perante a imagem que os alemães difundiam da “doirada Hélade” das colunas dóricas e eólicas, o país da filosofia! Verdadeiramente de filosofia só havia a Escola de Platão e conhece-se bem como Aristófanes ridiculariza Sócrates, aplaudido por todos os intelectuais desse tempo que se rebolavam grosseiramente cheios de gáudio nos seus assentos. Os grupos nas grandes praças, as intermináveis conversas, os negócios e as intrigas podemos hoje vê-las em qualquer largo de qualquer cidade de província ou ali no Rossio ou na Avenida de Roma. Sócrates e Fedro reflectiam sobre “retórica” e o “amor” junto a um ribeiro, ao som adormecente das cigarras. Na Grécia, como em Portugal, havia cigarras.

No que diz respeito à proveniência [d]a língua portuguesa, não se vê bem por que, por exemplo, os artigos não terão derivado de o, n, oi, ai, porque os gregos possuíam artigos e os romanos não. Com um pouco de astúcia toda a língua portuguesa poderia derivar do grego.

O leitor indigna-se?

Raciocine connosco por um momento.

Se cada língua é um sistema, a dedução de outro sistema terá de obedecer a leis de transição mais ou menos fixas. As diferenças são sempre as mesmas, se num e noutro sistema as “constantes” guardam a mesma distância. Fazer uma língua derivar de outra é uma questão de paciência e de propaganda.

 

António Telmo         



[1] Nota do editor – o título é da nossa responsabilidade.