UNIVERSO TÉLMICO. 67

17-01-2020 09:46

E nota final

Agostinho da Silva

Ao que diz, e sei que o não move qualquer lisonja pessoal, considera o Professor Henryk Siewierski, da Universidade de Cracóvia, que o excelente convívio que mantivemos durante os quatro anos em que ensinou língua polaca e sua cultura na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa foram para ele uma segunda Universidade. Também sem cumprimento e por tudo o que esse contacto para mim foi, penso, por meu turno, que houve igualmente para mim uma Universidade, já nem sei de que número, pois muito tenho aprendido em várias, desde a inicial, a Faculdade de Letras do Porto, lá por entre 24 e 28 ou 29, até aos meus Amigos de hoje, passando pela Parasitologia Médica do Instituto Oswaldo Cruz, pelos Sábados do Moinho de Vento em casa de António Sérgio, pelos sertanejos do Nordeste brasileiro e pela gente do Senegal ou pela do Japão ou pela de Timor. Quanto excelente professor e quanta sorte a minha. Em tudo, vida e conversa – a tal “vida conversável”, como lembrou Siewierski, tomando as palavras de Pero de Sousa. E em tudo houve a experiência, a que chamaria um outro nosso autor “madre de todas as coisas”. Muito conversamos nós dois, o Professor e eu, e se lembrou o nosso Amigo de recolher o que se dizia e de o oferecer para publicação, já que apareceu benevolente Editor; sem espécie alguma de correcção ou apuro de estilo, sem, por outra parte, nenhuma tentativa de o escrever, ainda que imitando o falado. Se o que fica para trás não servir para outra coisa será exemplo, no sentido de amostra, da forma pela qual uma pessoa não inculta conversava com um Amigo neste quase final do século XX. Claro que não falei somente eu: falou, e muito, e lucidamente, e com todo o interesse em penetrar o mais possível na cultura portuguesa, o Professor Henryk Siewierski, e a ele, afinal, se deve o volume. Os quatro anos foram-me Universidade porque agudamente perguntou e me obrigou a pensar muita coisa que jamais me ocorrera ou a recordar factos mais ou menos esquecidos de minha vida. Creio que, sobretudo, deve ser uma Universidade Foro de perguntas, de provocações, digamos, de preferência a supermercado de respostas convenientes para a vida e de receitas para singrar no mundo sem perigo de naufrágio. E, curiosamente, às perguntas que fez as decidiu ele eliminar, tentando a jogo de criatividade o possível leitor e o fazendo participar do diálogo. Completarei eu dizendo que o máximo que desejo é que as perguntas que se façam e as possíveis respostas do volume sejam bem sacudidas, bem joeiradas, jamais se aceitem como verdades estabelecidas, mas apenas como ponto de partida de discussão. É o que os outros pensem, o que os outros criem aquilo que fundamentalmente me interessa. Só assim escrever ou falar servirão para alguma coisa. Estimular é útil, siderar nefasto.