VOZ PASSIVA. 115

28-09-2020 12:23

António Telmo e António Quadros ou a sombra que ilumina

(no décimo aniversário da partida do autor de História Secreta de Portugal)(1)

Pedro Martins

 

A costumada indiferença dos areópagos bem-pensantes ignorou a efeméride, assinalada a 21 de Agosto; mas, uma década após a sua partida, António Telmo continua bem presente na memória daqueles espíritos inquietos que ainda procuram o que mais importa. O filósofo da razão poética devolveu o direito de cidade ao pensamento da tradição iniciática no século XX português, reatando uma cadeia que com Fernando Pessoa só aparentemente se perdera. Se o nacionalismo místico que ele proclamava tem sido a fonte inesperada de grandes equívocos ideológicos e religiosos, que aliás persistem em enlear o cerne autêntico da filosofia portuguesa, teremos fatalmente de reconhecer que a ideação operativa do seu cabalismo judeo-cristão estará muito longe de agradar, sequer de poder interessar, a um situacionismo cultural que voga entre a dominância insidiosa e despudorada de um politicamente correcto assistido pelo braço armado escolar, e em vias de se tornar pensamento único, e a vacuidade mediática de um circuito fechado que engendra génios de pechisbeque para a efemeridade voraz do mainstream.

De extrema lucidez, e em avançado curso de publicação na editora Zéfiro, a obra de António Telmo anuncia toda esta desolação para a denunciar, precedendo em algumas décadas um paroxismo que só agora parece insinuar-se. É uma obra patriótica e fecunda, grávida de futuro. Atenta aos símbolos e aos sinais, dialoga como nenhuma outra com os livros apolíneos de António Quadros, seu dilecto amigo e condiscípulo no magistério filosófico de Álvaro Ribeiro e José Marinho. Pessoalmente, se um testemunho me é aqui concedido, tenho sérias dificuldades em pensar a História Secreta de Portugal à margem do Portugal, Razão e Mistério, agora enfim ressurgido na sua plenitude, pela simples razão de terem ambos entrado de rompante numa mesma época decisiva da minha vida. As suas páginas são como as folhas perenes daquelas árvores que envolvem a frescura das fontes. Uma sombra que ilumina.

 

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(1) Nota do editor - Publicado originalmente na Newsletter de Setembro de 2020 da Fundação António Quadros.