VOZ PASSIVA. 56

08-07-2015 22:54

A misteriosofia

Risoleta C. Pinto Pedro

 

Sobre o livro de Pedro Martins:
Um António Telmo, Marranismo, Kabbalah e Maçonaria

 

 


 

À aproximação do solstício, passei da mesa da cozinha, onde li o Colosso de António Cândido Franco sobre Agostinho da Silva, para o terraço, para ler o livro de Pedro Martins sobre António Telmo e as três colunas, digo, Marranismo, Kabbalah e Maçonaria.

O livro guia-nos entre filosofia e bibliografia, fazendo-nos esquadrar as acima citadas colunas.
Entretanto, quando chovia, eu recolhia ao templo casa. Foi pois num verdadeiro percurso errático judaico entre sol e chuva, que se escreveram estas linhas.
Tal como afirmou, muito acertadamente, Miguel Real numa apresentação deste livro, a identidade dos marranos ou cristãos novos foi sendo feita ao longo dos séculos pela duplicidade de ser e não poder mostrar-se como se é. Também os maçons dizem que nem todo o segredo pode ser revelado. Por razões diferentes. Ou talvez não. Uns e outros encontram-se perante o dualismo do que se esconde sob o que se revela. Entre ambos, como fio que liga, a Kabbalah. É isso que se verá neste livro, entre outras surpresas ou revisitações refrescadas pelo olhar agudo e original do autor. E de sua musa
Livro muito importante, porque vem pôr em causa algumas crenças ou ideias mais ou menos assentes, como por exemplo, a da origem do culto do Espírito Santo. 
Telmo é o fio condutor na análise ou detecção, ora de marranismo, ora de judaísmo, e ainda de gnosticismo, como um vedor procurando ocultos veios de água com uma vara de radiestesia, começando pela génese das cantigas de amigo e a muito possível influência do Cântico dos Cânticos.
O pensador aparece aqui, em todas as suas dimensões, como um sol, ou citando Pedro Martins: “ o centro de um círculo cujo perímetro se define pela irradiação de oito linhas dialogantes com outros tantos autores portugueses: Herberto Helder, António Quadros, Teixeira de Pascoaes, Luís de Camões, Luís António Verney e Leonardo Coimbra” assim como “Agostinho e Pessoa”. 
E o livro é um excelente guia que nos conduz pelo meio das mentes mais brilhantes dos últimos séculos. Com Telmo como ponto de partida. E de chegada.
É através do seu pensamento, como uma rigorosa medida psicológica, que nos apercebemos da maior aproximação destes autores ao marranismo. E da irregularidade de percurso do próprio Telmo, na sua História Secreta de Portugal, que mais tarde, sem autocomplacência, como afirma o autor, corrigirá. 
É, aliás, a António Telmo, que Pedro Martins, por sua vez glosando o mestre numa afirmação relativamente a Álvaro Ribeiro, declara “ter podido escrever quanto” escreveu. E assim se forma uma cadeia de aprendizes mestres de mestres. Di-lo claramente sem presunção, como pode verificar-se pela leitura do livro. 
Pedro Martins vê-se como um continuador. É, de resto, curioso que não figurando ainda entre os incluídos no livro António Telmo e as Gerações Novas, por ser uma edição de 2003 e o seu contacto com Telmo ser, então, relativamente recente, de três anos, tenha sido ele a escrever o primeiro livro de um autor sobre o filósofo. O livro sobre o qual este texto se debruça. Assim como o dinamizador do largo trabalho de divulgação do pensamento, vida e obra de António Telmo, com publicação de originais e republicação de edições há muito esgotadas, através do Projecto António Telmo. Vida e Obra.
Um António Telmo é um texto ensaístico em torno daquele que ele considera (e com que muitos concordam) o Filósofo do Futuro, com frequente recorrência ao pensamento dos seus pares e mestres, alguns já acima enumerados: Leonardo Coimbra, Fernando Pessoa e Teixeira de Pascoaes, a que se acrescentam também Álvaro Ribeiro, José Régio e José Marinho, alguns dos poetas e filósofos da profecia, nas palavras de Telmo, retratados pelo autor deste livro, como cabalistas teosófico-teúrgicos, a partir do modo como Telmo os define: “O que lhes é comum é o modo de entender a oração como uma forma poética ou filosofia de acção sobre o mundo espiritual capaz de acelerar o processo colectivo de redenção.”, que, segundo o autor, vem corroborar a tese da Gramática Secreta e seu carácter sagrado. 
Na análise dos pontos onde as ideias de Agostinho e Telmo se distanciam, consegue mostrar, ao mesmo tempo, a delicadeza e o respeito com que Telmo vai apresentando a sua discordância em relação a algumas ideias do mestre. A elevada ética que não lhe permite polemizar com alguém com quem aprendeu, que respeita e ama, e ainda assim não abdicando das ideias próprias. Discordância discreta, humilde, elegante, sem polémica, que se limita a ser fiel ao incontornável pensamento próprio. Agostinho, esse que inventava personagens fictícias para criar polémica consigo mesmo nos jornais, não poderia não gostar disto. Recordo-me, aliás, de uma passagem de um livro seu que já usei como citação para livro meu:

“Para o pai não existe a sua própria altura, existe a pequenez dos filhos; e por isso os pais se curvam para eles, e os acariciam e os tomam nos braços, e já são grandes […] e descobrem, erguidos ao alto, os horizontes que o pai nem sonhou […]”

Agostinho da Silva, Sete Cartas a um Jovem Filósofo

Esta passagem retrata não apenas a relação de pai com filho, mas também a relação entre mestre e discípulo permeada de amor, respeito, reconhecimento e crescimento. Por isso, Telmo, como nos diz Pedro Martins, não nomeia Agostinho quando dele discorda, acrescentando o mesmo Pedro Martins uma achega de Sampaio Bruno a este tema: “fazer guerra às ideias deixando os homens em paz.”
É um livro altamente didáctico, porque não trata apenas dos conteúdos, mas também das formas: filosofia de ponta num contexto ético feita por figuras elegantes. Muito inspirador, tudo isto. 
Uma boa parte do texto vai andar em torno da tensa cisão dilacerante que acompanhará o cripto-judeu e pode manifestar-se das mais diversas formas, como o materialismo ateu ou o materialismo católico e ainda os judeus secretos, podendo assumir ainda outros cambiantes, com a consequente inquietação de alguém dividido entre o judaísmo e o cristianismo. Pode, contudo, materializar-se, e cito António Telmo tal como Pedro Martins o faz “numa nova religião, aquela que cada cabalista da noite vê à luz do pensamento como a superior síntese dos dois sublimes contrários.”
No capítulo referente a Agostinho da Silva, em que passa um rigoroso e implacável scanner pela sua variada obra a fim de detectar sinais de “sintomatologia do recalcamento” vai fazê-lo de uma forma que eu diria, pedindo emprestada uma expressão a Miguel Real numa sessão de apresentação deste livro, mas a propósito do capítulo sobre o marranismo em Herberto Helder, de “levar qualquer um ao tapete”. E vai mostrar, magistralmente, de que modo Agostinho vai dar outros nomes ao que não assume como marranismo, chegando a mostrar um anti-judaísmo teológico. Sendo que para Pedro Martins, o recalcamento observado em Agostinho acaba por ser um sinal de marranismo no seu atávico ocultar. Demonstra-o, contudo, de forma brilhantemente isenta, amigável até, quase terna. Um ensaio não tem de ser seco e este não o é.
Esta análise vai evoluindo na forma de observação, em paralelo, do pensamento de Agostinho e do pensamento de Telmo. 
O método com que nos conduz no percorrer desta evolução da relação entre pensamentos é a apresentação de leituras focadas de ambos, permeadas por reflexões do ensaísta.
Em relevo, neste livro, uma cuidadosa análise da muito provável origem judaica do culto do Espírito Santo, a possibilidade de a criança estar no lugar de Metatron, o Clemente, anjo da mística judaica, daí a libertação dos prisioneiros.
Em relação a Agostinho, mostra-se um pressuposto e uma preocupação: o perigo da vulgarização do seu pensamento através de meia dúzia de conceitos descontextualizados e apressadamente digeridos e assim difundidos, carecendo de profundidade. Quando, afinal, ao seu paradoxal pensamento não é possível aceder sem o aprofundamento a que nem sempre temos assistido. 
É muito visível neste livro a relação entre continente e conteúdo de uns textos em relação aos outros, com textos que migram de uma obra para outra, o que faz todo o sentido num autor como António Telmo, onde a gramática, o símbolo, a geometria, a historia, a mística, a guematria, a tradição, a religião, a ficção, a biografia e o quotidiano não como interfractais que se contêm mutuamente, partes de todos e todos nas partes. 
O texto que no-lo mostra é profundamente didáctico sem simplificar, mas mantendo a complexidade, dá-nos acesso a matérias complexas que partilham da teologia, filosofia, teurgia, religião, tradição, gramática…
Outro mérito deste livro é a revelação de íntima convivência com o espectro mental de vários autores do universo judaico e marrano, e seus teorizadores. 
Também o Herberto Helder de Os Passos em Volta vai ser objecto de análise, usando Pedro Martins, para defender a sua tese de marranismo, as mesmas duas ferramentas com que Telmo nomeou os indícios de judaísmo aos olhos dos inquisidores: a inteligência e a inquietação, sendo que mostra este último indício logo no modo como o apelida: “outro livro do desassossego”. Seguirá, na análise, a medida de tensão que segundo Telmo prevalece no marrano por via da duplicidade entre o credo interiorizado e o credo novo imposto.
Também a metáfora é aqui apreciada como precioso instrumento de dissimulação, valiosa ferramenta do judeu. Dá também relevo à sincronicidade da data da publicação de Os Passos em Volta e da Arte Poética de Telmo: 1963. 
A análise do recalcamento cripto-judaico acaba por transversalizar Agostinho, Helder e o próprio Telmo da 1ª fase, na História Secreta. Regressará a casa a partir daí, à pureza inicial do encontro com o pensamento de Álvaro Ribeiro, assumindo-se na teoria e na prática (escrita, poética) como marrano.
Mas não deixando de ser o conciliador do judaísmo e do cristianismo: a salvação não contra o corpo, mas através dele, e aqui estão duas ideias base das duas religiões: elevação da alma e dignificação do corpo.
Procura (e consegue) este livro, realçar, no ensinamento de Telmo, que os historiadores, ao contrário da valorização que têm feito do consciente cristão e do inconsciente celta, não reconheçam o nosso subconsciente hebraico. Defende assim, claramente, o que não sei se poderei arriscar em designar por glorificação do corpo no sentido da sua sacralização na Kabbalah, por oposição à Gnose e sua recusa do corpo, sexo, criação, com a vida recorrentemente atirada para o céu. Associa os sacrifícios humanos, em cuja linha se inscreve a Inquisição, à recusa do corpo e escapismo do mundo dos Gnósticos. Inquisição também herdeira da degenerescência do templarismo português invadido por um gnosticismo celta ou atlante e camita. 
Também referido o estudo do texto d’Os Lusíadas, onde se revela o pensamento pós-atlântico de Telmo, presente no Velho do Restelo; o regresso a terra, mas não já da mesma maneira: “uma oitava acima”, segundo Pedro Martins. A defesa da terra por oposição à guerra templária atlântica, o contrário de Ícaro voando para lá dos limites a “forçar as portas do céu”. A salvação, não na fuga, mas em organizar o caos na companhia dos outros. 
“Decifração desocultante” é uma expressão feliz de Pedro Martins para a leitura de Camões feita por Telmo. Os Lusíadas como uma aventura que não é um acto de vontade, mas uma descida aos infernos, esses inferiores lugares de onde se extrai a luz. A partir do breu. 
Não limita Os Lusíadas à visão política, mas também não ignora essa direcção.
Contudo, para ele, a nação é uma entidade espiritual, não apenas política. O forte foco do seu olhar ilumina Os Lusíadas enquanto viagem iniciática. As divindades pagãs não como “adorno”, mas como metáfora escondendo, do Santo Ofício, a heresia. 
Pedro Martins mostra muito bem a evolução do pensamento de Telmo acerca d’Os Lusíadas, desde a tese iraniana no Desembarque dos Maniqueus até à posterior aproximação a Fiama no sentido de uma interpretação cabalística “num exercício de imparcialidade e honestidade intelectual que exemplarmente o define.”.
António Telmo vê nos desvios sinais, e em Metraton, afinal, o Cristo. Ou o Amor. 
Conflui, no olhar de Telmo sobre a obra de Camões, a visão persa, a hebraica ou cripto-judaica e a gnóstica ou, segundo Pedro Martins, um “discreto paracletismo”. Visão que na sua transfiguração vai criando confluência e acrescentando ou aprofundando olhar, como é o caso da visão maçónica. Deste caldo alquímico vai emergindo a filosofia do mistério, onde o ensino não é definitivo, uma, segundo Telmo, “misteriosofia”.
Ou, como brilhantemente descreve o autor do livro: “Método tópico de progressão poliédrica”. Assim se formou o poliedro de luz que é este cintilante pensamento: “um sólido de feição irregular que, como um assombro, perpetuamente se recria – sólido translúcido, mas incompleto, pois que sempre uma outra face lhe ficará a faltar, cabendo ao leitor que transporte o facho a dita de a encontrar.”
O livro mostra claramente a evolução do pensamento obra, ou melhor, do pensamento que é obra ou que cria a obra de António Telmo em direcção ao cripto-judaísmo, com um ou outro desvio que sempre é o companheiro de um percurso não dogmático.
Denuncia-se, também, nestas páginas, o silenciamento, por parte do saber instituído, do “labor hermenêutico anónimo de António Telmo, tal como o de Fiama.” Assim como todos os sinais de estudos de cripto-judaísmo nos poetas recuperados e branqueados pelo sistema. Remata: “Percebe-se porquê.”
Quase no final, a comunicação de Pedro Martins no Colóquio sobre Verney, brilhante discurso sobre a “tirania” da “razão”, mais uma vez fazendo o contraponto com António Telmo, que cita: “É este dom felino de ver na noite que faltava de todo ao frade barbadinho e que faltou também a outro frade, aquele que foi encarregado de censurar Os Lusíadas”.
“É este dom felino de ver na noite” que António Telmo possui e que Pedro Martins demonstra.
O contrário daquilo a que o “endeusamento da razão” conduz - visão míope:
Sabiam que Os Lusíadas para além de variadíssimos erros tem uma grave falha na Proposição? Pois descobriu-o o Verney, o “iluminado”! 
Pela Divina Guarda! Tanto século a analisar e a dividir orações e afinal tem um erro! Verney dixit. Mas disse mais:

“E porque havemos nós servir-nos das [divindades] gregas, tendo outras melhores? O que suposto, merecem riso os poetas que se ocupam com estas ridicularias […] Que o poeta em uma metáfora, em uma semelhança, ou em alguma breve alusão, tocasse alguns destes pontos, poder-se-ia alguma vez perdoar, mas introduzi-los em todo o corpo do poema, como faz o Camões na Lusíada, que introduz Vénus e Baco por toda a parte, sem discrição alguma […] isto é mostrar que não têm juízo ou discernimento na aplicação dos ornamentos poéticos”.

Então, para quem não soubesse: as divindades gregas são do piorio, Camões é ridículo e imperdoável, Vénus e Baco uns escandalosos e Camões, finalmente, no que toca a ornamentação poética, um zero à esquerda.
É no que dá, citando Pedro Martins, a “ditadura da norma”.
Acredito que Pedro Martins saiu inteiro deste congresso, porque as palavras que levou foram as do próprio Verney. A dar tiros, lá do passado, nos próprios pés. 
Falando agora de coisas sérias, é evidente que terá explicado, como explicou, as razões daquilo que Telmo explica ser um processo de ocultação. E é aqui que começa a ser interessante o Congresso sobre Verney: Como “fiel-do-Amor”, Camões tem de “cifrar”, ocultar. A “oscuridade” da arte poética é terreno propício a tais ocultamentos. Cita então Pedro Martins três razões enunciadas por René Guénon e adoptadas por Telmo, de que destaca a terceira, por mais importante: “algumas verdades só se podem afirmar através da revelação, ou seja, escondendo”. 
O que Verney não entendeu, embora ainda segundo Pedro Martins, “não lhe poderíamos exigir mais no contexto histórico-cultural em que se situava.”
Ficam bem estes sentimentos cristãos a um marrano, mas chama-se a isto rigor e isenção. 
Eu, que não me obrigo a tanto, afirmo que Verney não só não compreende o que se viu, nem o talento literário de Camões. E isso está fora do tempo e do contexto, já vem da nossa poesia medieval.
Voltando à Proposição, que segundo Verney, apresenta um erro, que é o de Camões não se limitar, e cito Pedro Martins: “a propor a D. Sebastião a acção principal” mas, nas palavras de Verney, “a inteira história de Portugal”, é com Telmo que o autor do livro vem em socorro da confusão instalada por Verney, recordando que “Portugal, desde a origem, é a expressão visível, no plano histórico, de uma sociedade iniciática.” E por aqui me fico relativamente a este assunto, mas vale a pena ler os desenvolvimentos no texto e as citações em que apoia o pensamento, como esta:

“Habituado a pensar significações diferentes das que correm entre o vulgo, o estudante desvia-se dos seus semelhantes, e na sua extravagância pode chegar a descobrir tesouros escondidos. A arte de filosofar depende, em grande parte, do exercício que associa a palavra secreta com a intimidade do pensamento, mas por isso se diz que a essência da filosofia é incomunicável.”

Se mais razões não houvesse, que as há, bastaria esta reflexão sobre a essência da arte no seu exercício do equívoco e da plurissignificação que conclui com esta citação de Álvaro Ribeiro. Totalmente de acordo com Telmo e com Álvaro Ribeiro e com Pedro Martins. 
Pela minha parte, penso poder concluir tratar-se a filosofia, olhada por este prisma, de uma arte. A filosofia não positivista, obviamente. E aqui o atrevimento é meu. Não é grande atrevimento. Outros, antes, o pensaram.
O livro aproxima-se da sua conclusão com uma análise da peça A verdade do Amor, de António Telmo, onde se mostra que nesta peça, como de resto na sua restante obra, nada é puramente decorativo, embora a sua escrita seja sempre estética, no que esta palavra abraça de ética, de poética e de palavra profética.
Uma profecia que devolve ao futuro o passado, porque vê o que os outros não viram através das, segundo Telmo trazido por Pedro Martins, palavras que fazem ver, nomeadamente, nas palavras de Álvaro Ribeiro lembrando Leonardo: “veículo expressivo, comunicativo e persuasivo de que o didacta pode tirar efeitos terapêuticos, compatíveis aos da magia”. 
Ou, segundo o relembrado Álvaro nas palavras de Pedro Martins: “o emprego da palavra pelo educador possa ser visto como a administração de um sacramento por sacerdote laico.”
O referido penúltimo texto, que para Telmo é teatro filosófico e para Pedro Martins é “verdadeira obra de arte”, vejo-o eu como dança, uma reflexão dançada em ritmo de valsa dramático-simbólica em três actos ou tempos em que se sente que a verdade é o que, paradoxalmente ao título, permanece oculto.
O último título, “A lâmina”, é uma verdadeira, sintética e magnífica "ilustração" acerca da anteriormente demonstrada polissemia da linguagem, da arte poética e da linguagem criadora em geral. 
Resta acrescentar, para concluir, que o estilo apresenta uma linguagem culta, mas clara, linguagem expressiva, mas sóbria, uma particular forma de beleza no paradoxo: “Por isso todo o Marános está – mas não está – nos dois primeiros cantos do poema”.
Um enorme vigor e rigor na expressão, mesmo quando alude ao símbolo e ao mistério, e é elegante na sobriedade rigorosa e musical, a aliteração madura e plena, como exemplifico:
 

“averbe-se a verve vibrátil do génio”. 

Ou ainda, a beleza quase lírica:

“Nada nele afinal se nega, perde ou contraria: na grande arte da síntese se revê Velho no Restelo o navegador ancião que, enriquecido por todas as viagens, volta a pisar terra firme.”

Com esta música convido, quem o quiser fazer, a penetrar nessa outra música que são as ideias. De António Telmo a si mesmo, passando por aqueles que maior brilho mostraram no universo do pensamento filosófico e poético português contemporâneo e não só.

Este é um livro que coloca alguns pontos nos ii (ou nos yod’s, esse sol em Thiphered), que separa o trigo do joio com rigor, mas sente-se, movido pelo amor a um pensamento, uma obra, um Projecto de futuro. 

8 de julho de 2015