VOZ PASSIVA. 89

19-05-2020 21:05

Revisitação de Viagem a Granada

Eduardo Aroso

Creio estar fora de questão dizer-se, com o automatismo habitual do “pensamento que não pensa”, que tal obra de António Telmo é melhor do que uma outra sua, pois fazê-lo seria obviamente negar a completude da sua individualidade. Se uma obra existe é porque reflecte uma faceta que o autor intencionalmente quer dar a conhecer. E quantas vezes nos surpreende um criador com a estranha diversidade do seu universo! Também Ricardo Reis nos convidou a ser «plural como o Universo».

Não é este o momento mais propício para desenvolver o tema da astrologia na obra de Telmo, mas também aqui a surpresa não teria sido menor, fosse para o público que em 1977 leu História Secreta de Portugal (onde surge o horóscopo de Portugal, traçado pelo autor de Mensagem, mais tarde analisado em outra obra de Telmo O Horóscopo de Portugal), ou no seio da corrente da filosofia portuguesa pelo tema que, depois de Pessoa, estava em repouso. Não fosse a tremenda mensagem dessa obra de Telmo (porque nela além da astrologia há os meandros da História, do Símbolo e do Mistério, desocultados e simultaneamente ocultos), o filósofo de Estremoz teria sido colocado num lugar de trans-heterodoxia!  

Vem isto a propósito do texto hoje colocado na página «António Telmo. Vida e Obra», que me recordou de novo Viagem a Granada, livro que o autor me ofereceu com uma dedicatória não menos generosa e pela qual – como numa tríplice operação – eu viria a confirmar o que já outro filósofo e poeta tinha chamado: «afinidades electivas». O meu primeiro (re) encontro, face a face com Telmo, deu-se em Alenquer, no final dos anos 90, nessa terra também palmilhada pela Rainha Santa Isabel. Com as mãos sobre os meus ombros, o filósofo falou-me, entre outros assuntos, do «entusiasmo», e eu meio distraído até então, fixei bem que entusiasmado é estar cheio de Deus.

 Só quando cheguei a casa mergulhei no que tinha acontecido: António Telmo, entre várias pessoas que havia no local, deu-me atenção! O suposto – o que, com imensa alegria, não deixei de fazer - era que eu ali tivesse ido para ouvi-lo e apertar-lhe a mão. Da primeira leitura, cinco capítulos entraram logo em mim, como água fresca em dia de Verão: Teoria da Imaginação de Álvaro Ribeiro, Esotérico e Exotérico, Oarística, O Génio da Língua Portuguesa e António Quadros, A Lua e a Primavera. Neste último, Telmo diz que Vasco da Gama Rodrigues [lembram-de da sua obra O Cristo as Nações?] fez o horóscopo de António Quadros e que este «viu com incómodo que ele o caracterizava como um espírito lunar. E não se libertou desse desgosto mesmo quando outros astrólogos lhe lembraram que a Lua é o espelho do Sol e lhe mostraram que a conjunção de tantos astros no mesmo lugar do horóscopo era o sinal de um destino superior. Morreu exactamente na hora em que teve início a Primavera de 1993, ali onde a roda do tempo recebe o impulso da luz que o liberta do nocturno Inverno». Não é de crer - salvo melhor conhecimento deste particular - que António Quadros andasse a correr astrólogos para conhecer melhor o seu destino, pelo que talvez não seja difícil adivinhar quem terá sido o discreto mas não secreto astrólogo que lhe transmitiu que «a conjunção de tantos astros no mesmo lugar do horóscopo era o sinal de um destino superior». Não lemos todos também Portugal, Razão e Mistério?

 

19-5-2020