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CORRESPONDÊNCIA. 16

02-07-2014 10:34

CORRESPONDÊNCIA DE ÁLVARO RIBEIRO PARA ANTÓNIO TELMO. 10

 

 

Lisboa, 30 de Novembro de 1977

 

Meu caro António Telmo:

 

Acabo de ler o último número da “Escola Formal”, e apraz-me escrever que distingui o belo teorema intitulado “Gramática Secreta da Língua Portuguesa” de cujo teor recebi muito agrado e muito proveito. Fazer a crítica, revelar as concordâncias e as discordâncias, seria ofender a inteligência de quem leu os meus livros.

Em tempos dediquei um volume de “Estudos Gerais” a quem quisesse dizer-se meu discípulo. Comecei pelos estudos triviais de gramática. Vejo agora com alegria que só o António Telmo chegou enfim a prestar-me atenção. Por isso me significo muito grato.

Muito esperei do grupo de colaboradores da “Escola Formal”, mensário de ensino, para não dizer de doutrina. Vi de número para número acentuar-se a intervenção crítica, polémica, ou bélica, em um periódico que mais me parece digno de intitular-se “Quartel General”. Os temas não aparecem racionalmente programados, as teses não aparecem explicadas de modo a persuadir e convencer os ignorantes, os teoremas não se realizam na evidência das figurações geométricas, como seria exigido pela acepção de tão nobre termo helénico. Só o António Telmo, figurando na Árvore Sefirótica a sua doutrinação fonética, parece respeitar a essência do que para Pitágoras, e até para Euclides, se chama verdadeiramente um teorema, apesar da indignação de Hegel no seu grande livro de “Lógica”.

Pena é que o António Telmo continue a descuidar-se, ou a confiar no cuidado de outros, quanto à revisão das provas tipográficas, deixando que os maus espíritos, ou os egrégoros, maculem a expressão escrita de sua inteligência iluminada, ou inspirada. A “Escola Formal” tem sido, sob o aspecto tipográfico, uma lamentável calamidade!... É o caso, que muito bem sabemos, de quantos se recusam a considerar a gramática, – tipos e letras, – como a primeira das artes.

Com longa e profunda amizade pelo António Telmo, sincera estima por sua Esposa e seus Filhos, queira aceitar esta oportuna e prestimosa carta do

 

Álvaro Ribeiro

VOZ PASSIVA. 25

01-07-2014 09:57

TELMO, António – Horóscopo de Portugal. Lisboa: Guimarães Editores, 1997, 191 p.*

José Gama

 

Esta obra consta de duas partes: uma primeira com a leitura do Horóscopo de Portugal, do manuscrito de Fernando Pessoa, uma segunda parte com a republicação da História Secreta de Portugal, publicada em 1977. O novo estudo é um aprofundamento da temática tratada há mais de vinte anos, completando o que antes apenas iniciou: “ler toda a sina do nosso país nas linhas traçadas pelo vate”. Trabalho interessante de interpretação de símbolos que falam da “manifestação gloriosa da alma portuguesa”, e que permitem ler na pedra (do Mosteiro dos jerónimos) a transcendente mensagem. Esta incursão na profundidade das profundidades do sentido, ou sentidos, da nossa história não deixa de ser impressionante, e o manuscrito de Fernando Pessoa mostra a importância que tinha para o Poeta, apesar do pendor racionalista que predomina na sua obra. Este perscrutar o oculto e imanente do universo e da história não tem assento no quadro do saber positivo da ciência. Nem por isso poderá ser desclassificado e descartado como inútil e sem fundamento. “Tudo está aí, assim haja quem o veja”, lembra o Autor na introdução do novo estudo, e explica, no final, a exemplo dos últimos cantos do Purgatória da Divina Comédia de Dante: “explicar muito não é o que mais convém, porque há coisas que só ocultando se revelam. Revelar é voltar a velar para mostrar.”

 

* Revista Portuguesa de Filosofia, ano LVI, Braga, Jan.-Jun. 2000, p. 257.

«OS MEUS PREFÁCIOS». 06

30-06-2014 12:32

APRESENTAÇÃO DE MAPA METAFÍSICO DA EUROPA, DE CARLOS AURÉLIO[1]

 

Os mapas foram para os portugueses – chamavam-se então cartas geográficas – de uma importância muito grande durante os descobrimentos dos mares e das terras que ficam para além deles. Com um mapa do mundo eu posso, andando ou fazendo-me andar, ir até onde o finito toque o infinito. Claro que estou a falar de um mapa que considere todo o finito, isto é, que abranja, com o terrenal, também o sideral.

Mas há também outras espécies de mapas a que de boa mente se deve dar o nome de cartas transcendentais. Os mapas traçam-se, depois de se terem conhecido as terras, os mares ou os céus, com maior ou menor rigor, rigor que vai crescendo na medida em que se vão sabendo aplicar os segredos matemáticos e geométricos da topografia. Ora, parece que é possível viajar por outras terras, mares e sob outros céus, se deste mundo em que nos movemos a custo nos soubermos alhear para contemplar em espírito e verdade. Só assim se explica que haja, para lá dos mapas vulgares, outros em que se figura o desconhecido, ou se preferirdes, que haja roteiros que indiquem, para quem saiba interpretá-los, como é o mundo à luz do sol divino. Este mesmo mundo.

Um destes mapas ou roteiros, talvez o mais famoso, é o das sephiras. Os esoteristas, os falsos e os verdadeiros, conhecem-no pelo nome de árvore ou balança das sephiroth. É preferível designar as sephiroth, palavra hebraica, por sephiras, um neologismo que cabe aceitar porque, pela forma e pela matéria ou, como dizem os anti-aristotélicos, pelo significante e pelo significado, é analógico da palavra safiras.

Foi esta carta transcendental, este mapa do invisível que Carlos Aurélio sobrepôs ao mapa da Europa e assim por esse modo o pôde ver como um mapa metafísico.

Já o tinha feito com o mapa de Portugal, mas dessa vez através de telas pintadas interpretando o país de Norte a Sul como uma manifestação das sephiras.

Carlos Aurélio é um pintor de arte, nascido em Vila Viçosa, terra natal de Florbela Espanca, de Henrique Pousão e de Espiga Pinto. Viveu, como todos nós, uma fase ingénua, fase dos versos líricos e dos diários íntimos, com tentativas infantis no domínio das artes plásticas. Passada essa fase, descobriu Carlos Aurélio, na hora certa, que entre a figuração do visível e a sua desfiguração, entre a pintura fotográfica e a pintura desfocada e disforme, não há que escolher, porque, em boa verdade, a suprema arte de pintar consiste na transfiguração da natureza, na sua sobrenaturalização. Então, deixou para trás aquilo que até aí o embaíra e aparece-nos em Tomar, no Convento de Cristo, com uma série de imagens pintadas, compondo e recompondo a figura de Portugal pelos seus aspectos essenciais, série essa de imagens que se poderão caracterizar por este lema: exigência de realidade para tudo o que seja do domínio do espírito; de irrealidade para tudo o que seja do domínio da matéria, para que a ideia de Deus esteja presente num Portugal transfigurado.

O catálogo da exposição em Tomar, como o leitor pode ver em apêndice ao livro, tem, além das reproduções fotográficas dos quadros, explicações, pela palavra, de cada um deles e do seu conjunto, pondo em plena luz o mapa de Portugal como um mapa místico ou metafísico pela sua relação com as sephiras da Santa Cabala. A contemplação do autor torna-se prece. E é assim que surge, alguns anos depois, a realização, mais uma vez na forma de procissão ou de teoria, de uma exposição, mas agora o espírito do pintor imaginando na oração ensinada por Jesus Cristo aos seus discípulos e, através dos discípulos, a toda a humanidade. O que faz desta aventura no perigo uma experiência venturosa são as oito meditações que acompanham cada um dos quadros, em palavras que libertam as imagens da sua fixidez. Estas meditações constituem uma das obras primas da prosa portuguesa, digna de figurar numa antologia do nosso pensamento místico. Cumpre-se em Carlos Aurélio aquilo que é pouco comum entre os pintores, a de serem simultaneamente com a pintura artistas da palavra e do pensamento. Almada Negreiros e Lima de Freitas constituem, entre nós, os melhores exemplos de tão rara associação.

Enquanto estes dois mestres, companheiros na arte de pensar, se preocuparam com determinar as relações secretas da aritmética com a geometria, quarta e quinta ciências na escala pitagórica septenária, Carlos Aurélio, mais fascinado pela beleza do mundo terrestre, pelo mistério dos rios e dos mares, dos vales e das montanhas, das estepes e das florestas, prefere utilizar a sabedoria pitagórica, que bebeu na mesma fonte, pelo estudo metafísico da geografia, isto é, ligando a quarta e a quinta ciências à sexta e à sétima.

Voltamos assim ao ponto de partida desta apresentação. Mas uma surpresa nos espera. Pela magia do desenho, o mapa da Europa, olhado como por Fernando Pessoa e Luís de Camões do Oriente para o Ocidente, transforma-se numa bailarina e essa mesma bailarina, tocada pela magia de um alemão, transforma-se numa princesa coroada em que a coroa é Portugal. Por fim, eleva-se da terra ao céu como Nossa Senhora da Esperança.             

A esperança na salvação do mundo pela Europa nada tem que ver, no espírito de Carlos Aurélio, com finanças ou economia. Como a ciência económica nada tem resolvido até agora, das duas uma: ou a ciência económica não é ciência ou aqueles que dedicaram toda a vida a estudá-la ainda não conseguiram penetrar nos seus misteriosos segredos, muito bem guardados pelo companheiro de Fausto. A surpresa a que me referi é que a salvação do mundo terá de ser procurada na literatura.

Verdadeiramente, só na Europa existe literatura, entendendo por literatura as criações literárias individuais no domínio do romance, do conto e da novela, dos vários géneros poéticos, do teatro e da filosofia, sobretudo da filosofia em que um homem, só perante o mundo tem a inteligência e a coragem de o pensar. A literatura nasceu na Grécia, como se sabe. Até aos gregos e longe deles, nunca houve nada de semelhante. A superioridade que, hoje, sobretudo por influência de René Guénon, se atribui ao Oriente pela metafísica é até explicada por ali não haver literatura e isto porque para o francês e seus sequazes, como para as demais correntes de orientalismo, o indivíduo não conta espiritualmente para nada. A negação do valor do que é individualidade espiritual coexiste, nessas correntes, com a negação de Deus pessoal, cuja ideia é completamente massacrada pela ideia do Nada (de um Nada que se supõe ser Tudo) como raiz do Universo. Quando tais negações estão pressupostas no facto de que Deus é aquilo de que nada se pode afirmar, nem sequer que é o Ser porque isso seria já uma afirmação, que é o indeterminado susceptível de receber por emanação todas as formas, porque uma e outra coisa seria fazer dele um ente finito, o que é contraditório, o que se está pondo no conceito é a ideia de matéria, tal como a deduziram Platão e Aristóteles. E há ainda outro pressuposto, o de que a realização espiritual do indivíduo só pode consumar-se pela autonegação. Neste sentido fala-se de abandono ou de entrega do ser ao nada, do que se poderá chamar um suicídio ontológico. A difusão do orientalismo, que beneficia das sucessivas concessões do catolicismo às doutrinas materialistas, tem contribuído em grande parte para o estado demencial que está ao fundo do túnel para o qual nos encaminhamos.

Carlos Aurélio pôs no frontispício do seu livro uma oração escrita por Fernando Pessoa, onde roga a Deus; “Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta teu. Senhor, livra-me de mim.” Claro que o poeta, não obstante a utilização que dele têm feito para combaterem as quatro religiões monoteístas, não pede a libertação do eu que divinamente se oculta e se manifesta em cada um de nós, mas de um eu envolto em escórias. Diferem os indivíduos uns dos outros pelo seu ser profundo e casto, porque Deus, que os criou, não se repete, não é um deus tecnológico, é simplesmente Deus. O nosso primeiro filósofo, Álvaro Ribeiro, aperfeiçoando a doutrina que trouxe do ensino de Leonardo Coimbra, onde este punha que o homem é um obreiro de um mundo a fazer, onde está obreiro pôs criador. O filósofo aristotélico, dizia ele, é o que pratica a contemplação, mas não para se dissolver em qualquer homogeneidade mística, mas para receber do mundo sobrenatural o sopro inspirador das palavras que fazem ver, das palavras criadoras de pensamento.

Também para Carlos Aurélio o que conta é o indivíduo que se ama a si mesmo, pois só assim, na condição de saber-se amar, poderá amar o próximo. Nos homens representativos, pela literatura, da Europa ordenada segundo a árvore das sephiras, o que é cada um deles no que têm de profundo e de verdadeiramente positivo realiza-se na mais significativa das personagens por eles criadas e imaginadas. Assim em Malcuth que corresponde à Rússia, Dostoiévski é o Príncipe Nikoláevitch Míchkin, o Idiota; em Iesod, que corresponde à Alemanha, Göethe é o Fausto; em Netzah, que corresponde à Escandinávia, Balzac é Serafito (o eu verídico do francês Balzac está realmente na Escandinávia, junto a Swedenborg); em Hod, que corresponde à Grécia, Homero é Ulisses; em Tifereth, que corresponde à França, Victor Hugo é Jean Valjean; em Hesed, que corresponde à Inglaterra, Shakespeare é Próspero, o rei taumaturgo; em Gueburah, que corresponde à Itália, Dante é Dante, pois na Divina Comédia Dante é uma criação de Dante; em Hochmah, que corresponde a Castela, Cervantes é D. Quixote; em Binah, que corresponde à Andaluzia, Ibn Arabî é Xerazade; finalmente e superiormente, em Kether, que corresponde a Portugal, Camões é Camões.

Eis o único caso em que o criador é a sua própria criação, em que, portanto, o eu exterior reflecte inteiramente o eu profundo ou como se o mesmo tivesse duas faces.

Esta correspondência de Portugal com a mais alta das sephiras, com a Coroa, que é como em português se diz Kether, não é originalmente do autor do Mapa Metafísico da Europa. Tem por base a figura da Europa na forma da Virgem Coroada tal como foi traçada pelo alemão Heinrich Bünting (séc. XVI).  Se fosse um português que tivesse posto Portugal como coroa da Europa, a coisa ia de si. Mas ter sido um alemão dá-nos alguma esperança.

A primeira pessoa que me falou de Carlos Aurélio foi Luís Paixão, o nosso primeiro arquitecto, o arquitecto da filosofia portuguesa. Indicou-mo como alguém que devíamos receber entre nós na tertúlia que, em Estremoz, nos reunia todos os sábados pela manhã. Foi, no entanto o acaso que o trouxe a conversar comigo.

Falámos das imagens préhipnóticas, de que ele tinha alguma experiência. Mais tarde, seria no domínio do sonho que o seu espírito viveria no seu elemento. Desde as visões premonitórias de acontecimentos até àquelas em que dir-se-ia Deus estar presente, muita verdade tem passado pela alma do nosso escritor enquanto dorme. Não digo que alguma vez tenha atingido o estado de alma de que nos fala Salomão: “Durmo, sed cor meum vigilat”. Todavia, durante a noite, o seu espírito é habitado por imagens tão significativas que podemos dizer delas que são metáforas poéticas, daquelas que somente visitam os grandes espíritos.

Nesse mesmo dia em que o conheci, pediu-me que fosse com ele a sua casa ver uns quadros que tinha pintado, pois gostaria de saber a minha opinião sobre eles. Estava no início de uma vida dedicada à arte do desenho e da cor e necessitava de aplausos. Limitei-me, porém, a dizer-lhe: “Gostaria muito de saber o que tem feito de si como artista até agora.”

O que ele fez de si como artista até hoje (já lá vão vinte anos) deve ser avaliado pelas fases progressivas da sua pintura, pois nele são indissociáveis, como o valor de X e de Y numa função, a arte e a vida. Esta relação está sempre presente em tudo quanto pensa, imagina ou faz . E vê-se, acompanhando os momentos por que tem passado o que pinta, acompanhando, isto é, compreendendo, que Carlos Aurélio se vai libertando da dependência de si próprio, sem deixar de ser leal ao eu que pelo nascimento lhe foi confiado.

Há quem procure dirigir, enquanto dorme, os próprios sonhos, como é o caso de António Cândido Franco, o insigne autor da Arte de Sonhar. Quando disse atrás que é no domínio do sonho que o espírito do Carlos Aurélio vive no seu elemento, não empreguei, como se viu, a palavra sonho figurativamente. Falava mesmo de sonhos, daqueles sonhos que se revelam na luz interior de quem dorme, luz tão real como a luz física, mas sem sombras. Carlos Aurélio não procura dirigir os sonhos, a não ser que se entenda por dirigir criar um estado de alma durante a vigília que pela sua religiosidade prática seja propícia à descida dos anjos.

 

António Telmo



[1] Carlos Aurélio, Mapa Metafísico da Europa, Lisboa, Fundação Lusíada, 2003, pp. 9-13.

 

VERDES ANOS. 06

29-06-2014 13:44

Como subsídio para o conhecimento da génese de Arte Poética, livro de estreia de António Telmo, de que no ano em curso se comemora meio século sobre o seu surgimento efectivo (pese embora no frontispício surja impresso o ano de 1963), oferecemos agora ao leitor o artigo "Como traduzir Henrique Bergson", saído a lume, em 31 de Janeiro de 1963, no suplemento "Artes e Letras" do Diário de Notícias, coordenado por Natércia Freire. Da comparação deste escrito télmico com o primeiro capítulo, que tem o mesmo título, de Arte Poética, resultam diferenças mínimas, de pormenor, na redacção, sem que as mesmas anulem, por qualquer forma, a essencial identidade da ideação e da própria expressão. 

António Telmo encontra-se em Évora nos anos lectivos de 1962-1963 e 1963-1964, onde lecciona na Escola Comercial e Industrial. É nesse período que, certo dia, recebe a visita de seu irmão Orlando Vitorino, então inspector da rede de bibliotecas da Fundação Calouste Gulbenkian, e vivamente empenhado na empresa editorial Teoremas de Teatro. Orlando pergunta-lhe se não quer publicar um livro com aquela chancela e Telmo, em poucas semanas, compõe o texto de Arte Poética, que depositará nas mãos do irmão numa próxima visita deste àquela cidade.

Apresentado, pelo próprio autor, como um livro mal escrito, por haver sido meditado à medida que ia sendo escrito, e não obedecer assim ao esquema construtivo habitual, que manda caminhar das teses para as provas pelos argumentos, será bem de crer que Arte Poética tenha tido no disperso de Janeiro de 1963 o núcleo germinal de onde irradia. 

Como traduzir Henrique Bergson[1]

 

I

Uma primeira dificuldade é a da tradução de souvenir. Várias palavras portuguesas se propõem: «lembrança», «recordação», «imagem», «fantasma», «sombra». Souvenir, de sous - venir, é o que vem de baixo, o que se oculta na profundidade da consciência, mas que, a todo o momento, tende a vir à superfície, animado como é de uma vida própria. A lembrança é um movimento especulativo da memória; a recordação é uma memória activa repassada de emoções. Os verbos respectivos destes substantivos (na língua portuguesa, quase todas as palavras, que não são directamente verbos, produzem-nos ou deles provêm) são quatro: «lembrar» e «recordar»; «lembrar-se» e «recordar-se». Os dois últimos, na sua forma reflexa, significam movimentos do espírito sobre si mesmo, o que os torna aptos a exprimir a actividade inventiva da memória, tal como a concebe Bergson.

Mas o que é que se lembra e o que é que se recorda? A «imagem» aparece, talvez, como a palavra que melhor traduz souvenir. Dir-se-á, portanto, a lembrança, ou a recordação das imagens onde Bergson escreve «le rappel des souvenirs»? Nova dificuldade, que nos leva a procurar determinar o sentido da palavra rappel. Não parece inteligente traduzir «rappel» por «lembrança». Há qualquer coisa de passivo, de jogo de espelhos, nesta palavra que contradiz a actividade que o espírito desenvolve durante o «rappel». Ao lado da «recordação», surgem «evocação» e «invocação». A evocação ou invocação das imagens é uma expressão mais bem achada para traduzir «le rappel des souvenirs». No entanto, surge outra dificuldade, não já, como até aqui, em relação com o idioma de Bergson, mas dentro da língua portuguesa. «Evocação» e «invocação», se atendermos ao valor dos prefixos, são antónimos. Como empregá-los, pois, indiferentemente, para exprimir a mesma relação verbal? É que a antonímia é apenas literal ou aparente. A «evocação» consistirá em trazer à luz da consciência o souvenir, que se esconde na penumbra da memória; a «invocação» consistirá, não em realizar o movimento inverso, que a oposição dos prefixos sugere, mas em ir lá dentro, lá abaixo, à profundidade onde vivem os pensamentos, as recordações e os instintos, chamar a imagem de que precisamos. Se assim é, qual é o antónimo de «evocação»? A sua determinação torna-se indispensável, se quisermos traduzir o pensamento de Bergson com suficiente profundidade.

Supõe-se que uma imagem invocada não chega a ser evocada. Fica detida a meio caminho. Verifica-se que não se adapta ao esquema dinâmico, ao «conceito» de que a memória partiu. Torna-se então necessário repeli-la. Não há poeta que não tenha experiência, mais ou menos consciente, deste movimento. Dir-se-á, pois, a repulsão das imagens, em oposição à sua evocação? A expressão é deselegante e, além disso, equívoca, na indeterminação do sujeito de e do complemento. Ocorre-nos a palavra «reenvio». Se é a mais apta a significar o que queremos, temos assim dois movimentos que exprimem a actividade do espírito que se recorda: a evocação e o reenvio das imagens. O leitor que quiser relacionar esta fórmula com o que seguidamente diremos verá toda a importância de uma sua exacta determinação.

 

II

Não fará uma boa tradução de Bergson quem, baseado na distinção entre «pensamentos» e «movimentos cerebrais», julgar que os pensamentos, que o filósofo situa, por assim dizer, para lá da actividade cerebral, são aqueles mesmos que formulamos quando o espírito opera num só plano de consciência. Pelo contrário, estes pensamentos são aqueles movimentos. A acção e a reacção das imagens, as articulações mecânicas que entre elas se estabelecem de associação e dissociação, quando só o corpo está interessado em determinada acção, são o acompanhamento motor e exterior dos verdadeiros pensamentos, em relação aos quais o cérebro funciona como receptor, transformando-os em movimentos.

Quem, deslocando pelo «esforço intelectual» o espírito do plano físico para o plano mental, identificando como o centro extracerebral da evocação e reenvio, surpreenda as imagens como origens, isto é, no momento em que se verbalizam e vão ser recebidas pelo cérebro, vê-las-á, ainda antes de serem modificadas, na forma de potências, energias, forças. É o que acontece quando, resistindo ao fluxo ininterrupto de imagens, nos dobramos sobre a nossa própria interioridade, para compreender e para pensar. Verificamos então que o espírito forma um esquema dinâmico, que dificilmente pode ser confundido com uma composição e imagens exteriores umas às outras, mas que é, pelo contrário, uma composição de forças, de potências ou de energias. São estas energias que actuam também na natureza e aí se manifestam segundo a lei da causalidade?

Linhas atrás, referimo-nos à profundidade onde vivem os pensamentos, as recordações e os instintos. Dissemos também que a recordação é uma memória activa, repassada de emoções. Etimologicamente, «recordação» relaciona-se com o centro físico dos sentimentos – o coração. Se a Matéria e Memória incide mais sobre o estudo dos processos intelectuais, é no Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência que devemos procurar as linhas de uma psicologia integral. Será lícito compreender na mesma palavra imagem, tradutora de souvenir, tanto as ideias como os sentimentos? Será uma mesma substância que, conforme o plano – mental, animal ou vital – em que se manifesta, assim é o pensamento, sentimento e instinto? Como quer que seja, parece depreender-se da convergência de certas linhas de ideias traçadas em pontos diferentes por Bergson que os vários planos da consciência em que o espírito se move, quando exerce esforço intelectual, realizam estados progressivos de conhecimento, dos quais o último nos daria o domínio sobre os princípios da vida instintiva, senão até da própria vida mineral, ali onde a vida se cruza com a morte. Isto, porém, como diria Bergson, é uma hipótese simplesmente teórica.

Posto, portanto, o princípio de que os souvenirs (dados na forma de pensamentos, sentimentos e instintos) são dotados de uma vida própria, são forças de energias, nasce o problema de saber como o espírito consegue orientá-los, dirigi-los, submetê-los, enfim, ao seu comando. Bergson responde que por meio de esquemas dinâmicos. O tradutor português verificará que ao «esquema dinâmico» corresponde, na sua língua, a palavra «conceito». Importa, porém, ter presente a advertência de Orlando Vitorino de que o conceito «não se liga a um sentido exterior», mas ao sentido interior, autónomo, real em si, da concepção (Introdução Filosófica à Filosofia do Direito de Hegel, p. 64). Dado um conceito, dado um esquema, logo as imagens acorrem, impelidas por uma necessidade íntima, a que se pode chamar espírito de associação ou de contiguidade, a tentar subordiná-lo. É então que o espírito tem de manter-se bem firma no conceito, actuando como um poder que, em vez de se deixar dominar, pelo contrário a si submente a energia da imagem, dirigindo-a e modificando-a de harmonia com o fim que se propôs. Ao exercício deste poder, que é, aliás, a própria actividade do pensamento, chama Bergson «esforço intelectual». Tal actividade é comparável à espada com que Ulisses afasta os espíritos atraídos pelo sangue do sacrifício.

 

III

Restaria agora ver como o espírito, que, no homem normal, actua sempre no mesmo plano, limitando-se a receber e a deixar-se conduzir pelas imagens, adquire a actividade própria do pensamento. Todavia, todos nós temos a experiência do acto sui generis pelo qual memoramos voluntariamente determinado acontecimento do nosso passado, mas o que é difícil é dispor sempre da faculdade de concentração, não seguir arrastado, quando se não quer, pelo fluxo mental, deslocar livremente o centro da inteligência para um plano profundo. Aqui conviria então interrogar a função que Bergson atribui aos gráficos, aos símbolos, às mnemónicas, às palavras.

Deixaremos tão importante assunto para outra ocasião. Agora, preferimos convidar o leitor a recapitular os momentos essenciais deste nosso escrito, de maneira a ver como de um aparentemente insignificante problema filológico de tradução fomos descendo gradualmente, ou gradualmente subindo, até ao nódulo do pensamento de Bergson. Traduzir qualquer filósofo, limitando-nos a seguir literalmente a articulação exterior das teses e dos argumentos, equivale a trair, a subsumir, a fazer desaparecer o mais importante. Traduzir um livro secreto (e qual não é secreto?) é também formar um esquema dinâmico, a partir do qual se encontrarão as imagens e as palavras mais aptas da nossa língua. Neste sentido, têm razão quantos afirmam, em Portugal, que, para saber traduzir, o indispensável é conhecer a língua portuguesa.  

 

António Telmo

 



[1] Diário de Notícias, 31-1-1963, p. 13 e p. 15 (supl. Artes e Letras). 

 

DOS LIVROS. 15

27-06-2014 10:28

António Telmo está representado em A Serra da Arrábida na Poesia Portuguesa, de António Mateus Vilhena e Daniel Pires, obra que amanhã será lançada em Sesimbra, pela quadra "Foi na Serra da Achada", página inaugural de Congeminações de um Neopitagórico, que ali surgirá acompanhada de uma nota de Pedro Martins, aqui antecipada em jeito de comentário...

[Foi na Serra da Achada]

 

Foi na Serra da Achada

Que julguei ter-me perdido.

Quem se ganha não é nada,

Disse-me Deus ao ouvido.

 

António Telmo

 

(Publicado em Congeminações de um Neopitagórico, 2006-2009)

 

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Comentário

Pedro Martins

Planalto contíguo às cercanias da Serra do Risco, hoje atravessado por uma moderna estrada municipal pela qual, a partir de Santana, se acede à zona nascente da vila de Sesimbra, a chamada Serra da Achada constitui-se como um miradouro privilegiado ao viandante, oferecendo vistas deslumbrantes sobre a baía da camonina Piscosa (a Sul); o “dorso formidável da Arrábida” (a Oriente); o íngreme morro do castelo roqueiro (a Ocidente); e a banda setentrional da Península de Setúbal, por onde o olhar se alonga, até se perder no remoto esfumado de Lisboa e Sintra.

A Serra da Achada foi local de eleição de António Telmo, que, desde cedo ligado a Sesimbra, terra aonde chegou com dezasseis anos, não deixou, quando jovem, de a incluir nas suas caminhadas ao redor da milenar póvoa arrábida. Em 1965, num escrito publicado em O Sesimbrense, o filósofo, muito significativamente, considerava a novel estrada que perpassava a Achada, bem que então ainda imperfeita, muito mais bela que a “actual” – ou principal: a estrada nacional que, coleante, acompanha uma das vertentes do chamado vale de Sesimbra. Anos mais tarde, no final de década de 70, a Achada tornou-se-lhe lugar frequente de momentâneo retiro, nela praticando exercícios de meditação prescritos pela escola operativa do poeta austríaco Max Hölzer. É porventura dessa época que a quadra télmica antologiada, singela e todavia profunda, se permite dar testemunho. Mas ela reflecte também, ou sobretudo, uma concepção de filosofia feita de sonho, risco e aventura. Ou seja: liberdade!

DOS LIVROS. 14

25-06-2014 11:33

Só Deus escreve sobre Deus

 

Os cães caçadores não temem o som poderoso dos tiros, mas entram em pânico com o estoiro dos foguetes e o ribombar do trovão. Assim, o instinto inteligente distingue o alto do baixo ou do rasteiro, o que vem ao rés da terra do que soa alto na nuvem. O galo eleva-se dentro de si mesmo para soltar as cinco notas anunciadoras do Sol. Os pássaros levantam a cabeça para cantar e fazem-no nos ramos cimeiros das árvores ou no alto das torres. Quem está aí que me lê para sentir o que Camões viu ouvindo cantar os pássaros:

“Os pássaros que cantam
Meus espíritos são que a voz levantam”?

“Todos os seres adoram Deus”, assim se diz numa surata do Corão. Mas nós, hoje, nós que dispomos, enquanto homens, da inteligência que concebe no visível e no invisível, como havemos de adorar Deus, perseguidos que somos na rua e nos cafés, em casa, por toda a parte pela rádio e pela televisão, pelo ruído dominador dos metais actuantes fora do seu lugar natural, pelas explosões do petróleo, do óleo que se extrai da pedra multissecular, pelo rock (escreve-se assim, ó portugueses?) tan tan tan minando os interstícios do corpo, como havemos de ser se nos envolvemos do que não é para não sermos e não nos ouvirmos no que de mais fundo e significativo há em nós? Deus adora-se nas Igrejas, mas também aí entrou o jazz e as melífluas músicas próprias de uma espiritualidade inferior. Estamos pois impedidos de vencer a gravidade da alma elevando sentimento e pensamento àquela altura onde vai o instinto dos animais?

Era ainda noite, antes de nascer o Sol, no Cabo Espichel, junto aos pinhais. Eu estava lá, na orla deles, voltado para o Oriente de onde deveriam vir as rolas que assassinamente esperava. Principiava a nascer a alba. Aclareava-se ao fundo o céu. De súbito um sonoro zumbir de insectos feriu-me insistentemente os ouvidos. Eram moscas como abelhas ou vespas dispostas em fila ao longo da orla do pinhal. Alternavam a imobilidade com um voar rápido em círculo que as repunha no mesmo sítio. Estavam todas voltadas para o nascente como eu, mas não para matar. Desapareceram momentos depois do sol ter nascido.

Deus não é o Sol, mas o Sol é um símbolo vivente de Deus. É símbolo quando, através dele, se presta culto a Deus que infinitamente transcende todos os sóis. Isto o sabem os animais, melhor que os ocultistas e outros adoradores de símbolos.

Pediram-me para escrever sobre Deus. Só Deus escreve sobre Deus. E, às vezes, acontece fazê-lo através das nossas pobres palavras. Assim seja!

 

António Telmo

 

(Publicado em Sesimbra, o lugar onde se não morre, 2011)

CORRESPONDÊNCIA. 15

24-06-2014 17:12

CORRESPONDÊNCIA DE ÁLVARO RIBEIRO PARA ANTÓNIO TELMO. 09

 

Lisboa, 13 de Junho de 1977

 

António Telmo,

meu prezado Amigo:

 

Recebi um exemplar do seu livro “História Secreta de Portugal”, que desde já lhe agradeço, bem como a simpática dedicatória e as generosas referências aos meus obscuros e ineficazes escritos.

Li já, por duas vezes, o seu muito admirado trabalho, onde encontrei mais provas de um talento já meu conhecido. Páginas bem pensadas e bem escritas, estudei-as sem lograr aquela coordenação clarificante a que sempre aspira o meu espírito. Espero que à terceira leitura, a praticar brevemente, possa tirar o máximo proveito de uma obra tão generosa e inteligente como aquela que o António Telmo acaba de produzir.

Bem sei que o meu bom Amigo não se contentará com estes justos e merecidos louvores, pois esperará também o diálogo crítico e dialéctico. Ficará para mais tarde. Nesta hora em que a minha mão trémula significa o assalto de quatro doenças (uma das quais me vai matar), não me é possível escrever mais. Desculpe-me. Espero vê-lo e abraçá-lo, para à vista e de viva voz lhe testemunhar a confiança e a estima que há decénios dedico ao seu belo e singular espírito raro entre nós. Queira confiar sempre na admiração e na amizade do

Álvaro Ribeiro

DOS LIVROS. 13

20-06-2014 10:16

O quarto inimigo do guerreiro[1]

 

Com efeito, pelo que me diz respeito, o sonho que vivo há oitenta anos é constituído por uma quantidade mínima de pesadelos. De resto, o que me é contrário deixa-me mais ou menos indiferente. A vida é sonho. Perturba-me às vezes pensar no que haveria de mal por detrás desses pesadelos.

Estou velho. A velhice é, segundo o famoso Índio inventado por Castañeda, o quarto inimigo do guerreiro. Tentei sair deste “deixa andar”, depois de ter visto o meu fracasso a escrever a Gramática para o Abel Lacerda. O I Ching aconselhou-me retomar o caminho que em tempos pratiquei sob o impulso de Max Hölzer. Fiz várias tentativas de praticar a meditação. Vi, mais uma vez, que a minha individualidade vocacionada para a arte poética se dissolvia com a prática dessa meditação, em que, como se sabe, temos de deixar toda a imagem, todo o sentimento, todo o pensamento.

Eu sei que sou, como é cada homem, um misterioso mágico microcosmo que só se conhecerá tendo a coragem de descer ao poço da alma, se é que há alma e não só corpo. Isto hoje já não me entusiasma. Além disso o Jung, apesar do seu nome que parece chinês, está-me indicando que o caminho de um ocidental não é o do Oriente.

 
António Telmo
 
(Publicado em A Terra Prometida, 2014)


[1] Título da responsabilidade do organizador do volume. 

 

CORRESPONDÊNCIA. 14

19-06-2014 13:29

CORRESPONDÊNCIA DE ÁLVARO RIBEIRO PARA ANTÓNIO TELMO. 08

 

Lisboa, 9 de Junho de 1973

 

Meu caro António Telmo:

 

Ao aproximarem-se as férias, volto a nutrir a esperança de ter ocasião de o ver e de o abraçar para em seguida conversarmos sobre os assuntos que mais nos preocupam ou interessam. Custa-me que a distância nos separe. A epistolografia, que poderia servir de intermediária, nunca foi do seu agrado e já não é do meu. Agora sei quão custoso é o trabalho manual de escrever, porque falecem as forças dos braços. A última fase da minha vida está sendo confiada a prescrições médicas; uma das quais é a do máximo repouso.

Apreciarei muito quaisquer notícias vossas: do António Telmo, da Maria Antónia, e respectivos filhos. Diga-me se tencionam vir a Lisboa, ou a Sesimbra, ou se estacionam as férias em Redondo.

Com os cumprimentos da Maria Júlia, abraça-vos o velho e dedicado amigo

 

Álvaro Ribeiro

 

Rua Infantaria Dezasseis,

70 – 2.º Dto. Lisboa - 3

Telefone 656265

INÉDITOS. 16

18-06-2014 10:29

Sobre o oaristo*

 

Após ter afirmado que as gnoseologias dualistas parecem incapazes de explicar o conhecimento pelas relações do sujeito com o objecto (S–O), Álvaro Ribeiro escreve em A Razão Animada, na página 151 da primeira edição:

“O conhecimento é, como a etimologia ensina [cognoscere] uma relação de Sujeito com Sujeito (S-S) e humanamente uma relação social de espírito a espírito.”

Social, aqui, presumo que significa relação pela palavra. Dado que, para Álvaro Ribeiro, o paradigma da relação S–S é a do homem pela mulher pelo oaristo. O oaristo, ligando os amantes pela palavra, transmite à união amorosa a altitude de um sacramento. Na verdade, como lembra o filósofo no prefácio À Verdade do Amor de Vladimir Soloviev, na realização do matrimónio os noivos são os sacerdotes, é pelas próprias palavras que acompanham o rito que se declaram marido e mulher para toda a vida.

A palavra oaristo, que qualquer dicionário diz ser a conversa entre os amantes, não é de uso comum, nem sequer entre os literatos; não obstante, Eugénio de Castro, o discípulo português de Peladan, ter escrito um livro maravilhoso de poesia com esse nome.

Os amantes que praticam o oaristo juntam às palavras que para os outros são banais, secretas e superiores significações. Cada palavra é uma energia, por vazia e oca que pareça a ouvidos profanos. A relação de espírito a espírito precede, prepara e acompanha a relação das almas e não dizemos dos corpos pois as almas os incluem, para bem ou para mal.

 

António Telmo

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* Título da responsabilidade do editor.

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