VOZ PASSIVA. 106-107

21-08-2020 00:21

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

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António Telmo, Mara Rosa (retrato a carvão)

 

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Na morte de António Telmo

António Cândido Franco

 

À esquina o nome do lugar.

 

Na porta a declaração de óbito

e uma fotografia a preto e branco.

 

Um homem de óculos

de ar impenetrável e amplo.

 

Na capela uma caixa de pinho

embrulhada em veludo preto e

coberta com um pano cor de vinho.

 

Por cima pétalas e rosas.

Aos pés duas batas de flores.

 

Diante o altar com crucifixo em lata.

No nicho em pau as santas do lugar.

 

Ao cimo um Cristo triste no Calvário

com cruz e espinhos.

 

Nos bancos corridos

sombras negras que compõem o cenário.

 

 Um grupo de amigos caminha e avança.

No centro a caixa preta de pinho.

 

O Filósofo é agora o tapete

 à volta do qual se vive o transe.

 

No silêncio hierático e puro

da sua boca selada pelo não ser

brilha o azul incriado do verbo escuro.

 

Morte, mistério da iniciação.

 

E numa rosa quente, a arder

que alguém lhe pôs à altura d’ coração

explode a luz em fogo do Oriente.

 

 

22 de Agosto de 2010